É uma das grandes ironias das Escrituras que a geração
que viu as obras de Deus mais vividamente se tornou o epítome daqueles que se
recusam a acreditar nele.
Preparação Para a Viagem
O livro inicia com o povo israelita no deserto
do Sinai, no segundo ano depois de terem saído do Egito. Havia passado um mês
desde a construção do tabernáculo (Ex 40.1,2; Nm 1.1). O livro termina
aproximadamente 38 anos mais tarde, nas planícies de Moabe, próximas ao Jordão,
na altura de Jericó.
Durante
este período eles receberam a Lei que estabelecia as normativas da Aliança que
Deus havia firmado com eles através de Moisés (Êxodo); também foi o período em
que foi construído o Tabernáculo e estabelecido às diretrizes básicas de como
deveriam comparecer diante de Yahweh (culto) e de como deveriam viver o
cotidiano, moral e socialmente, para manter a comunhão com Ele (Levítico).
Fora
um longo ano, mas agora chegara a hora deles deixarem o Sinai e dirigir-se à terra
prometida, Canaã. O livro de Números detalha os preparativos para a viagem,
descreve as diretrizes básicas que eles precisavam seguir, bem como a narrativa
descreve alguns eventos significativos que ocorreram ao longo do caminho.
É
neste contexto de preparação que Moisés recebe ordem de Deus para fazer um censo
e numerar todos os homens capazes de participar das guerras que estavam por
vir. Na verdade Moisés vai fazer dois censos – este aqui mencionado (a velha
geração que acovardada acabará perecendo no deserto) e outro ao final da
narrativa (a nova geração que corajosamente tomará posse da terra de Canaã),
quarenta anos depois do primeiro.
Síntese do Livro O Livro de Levítico pode ser dividido em duas
seções principais contendo um capítulo que faz uma transição entre os dois. Primeiro, os capítulos 1-16
tratam de regulamentos rituais sobre ofertas
quais e como deveriam ser oferecidas; o sacerdócio
especificando as diversas funções deles e o Dia da Expiação que se constitui no coração do sistema
sacrificial e por conseguinte do próprio livro de Levítico. O capítulo 17 faz a transição entre as duas divisões
principais e trata sobre a importância do sangue na adoração de Israel [somente na festa da Páscoa eram mortos milhares de cordeiros]. Na segunda divisão, os capítulos 18-27 é tratada a temática do cotidiano vivencial
dos israelitas, pois como povo de um Deus santo era necessário que está
santidade permeasse todas as esferas da vida pessoal, familiar e social
deles. Há uma ordem bem clara para que
eles respeitassem o calendário das Festas estabelecidas por Deus e por fim há
os pronunciamentos de bênçãos e maldições. O Livro de Levítico ensina os israelitas em
termos práticos o que significa para eles serem um reino de sacerdotes e uma
nação santa, razão pela qual foram resgatados (Êxodo 19.6; cf. 1 Pedro 1.15-16; Romanos 12.1). |
Tudo estava preparado para que os israelitas
marchassem firmes e corajosamente para se apossarem de Canaã. Eles haviam testemunhado
atos poderosíssimos de Yahweh no Egito e por fim
atravessaram a pés enxuto
o mar, o mesmo no qual Faraó e todo o seu exercício pereceram.
Do
ponto em que se encontram a viagem até as fronteiras de Canaã levaria apenas
algumas semanas, mas ... faltou-lhes
um único ingrediente ... fé! Os
espias que serão enviados trarão, com exceção de Calebe e Josué, relatórios
terríveis em relação às forças poderosas dos habitantes canaanitas. A rebelião
deles contra a liderança de Moisés é somente a ponta do iceberg que escondia a
tremenda incredulidade daquela geração na Palavra empenhada de Yahweh e com a
negativa de entrarem em Canaã eles estavam dizendo: não confiamos que Deus nos dará a vitória. E por causa
disso toda aquela geração não entrou na terra de Canaã e pereceram no deserto. O
segundo censo, que está no final do livro, é justamente quarenta anos após o
primeiro, pois agora há uma nova geração
de israelitas, moldados dentro dos conceitos estabelecidos na Torah e prontos
para as batalhas que virão. Por sua fidelidade, a nova geração conquistaria a
Terra Prometida que seus pais não conquistaram por causa de sua incredulidade.
O título hebraico “no deserto” é mais adequado, pois o livro cobre a
jornada do Sinai até as fronteiras de Canaã e depois a sua peregrinação por
esta região árida e desértica. Os eventos registrados em Números estão dentro
deste contexto de peregrinação. Não há interesse do escritor (Moisés) registrar
tudo ou muitos detalhes deste longo período de peregrinação (Nm 32.13).
Contexto
do Capítulo Os israelitas por não terem fé para
tomar posse da terra que Deus os faz peregrinar no deserto por 40 longos
anos, até que toda aquela geração de desobedientes morressem, restando apenas
Josué e Calebe. Deus não fica refém da nossa incredulidade para concretizar
seus propósitos eternos. A narrativa começa com os israelitas
na fronteira de Canaã e termina com a nova geração pronta para adentrar à
Terra Prometida. Quando uma geração falha, Deus levanta outra geração que é
fiel e a História da Igreja comprova esta tese a cada século. O Livro abre com uma ordem de Deus
para se fazer um censo militar contando com todos os homens de vinte anos ou
mais. O total chegou a 603.550. Os levitas foram cuidadosamente isentos desta
numeração (já estavam inseridos no censo anterior dos levitas) devido à especialidade
de seus serviços no Tabernáculo, o que será tratado no transcorrer do livro, Aqui, então, temos o primeiro
movimento em preparação para a vinda do povo para a terra que Deus lhes deu.
Como sabemos, a nação foi criada para realizar um propósito divino maior. Nós
somos inseridos na Igreja de Cristo para realizarmos um propósito e não tão
somente usufruirmos das bênçãos. Esse propósito foi, em primeiro
lugar, punitivo, o juízo de Deus sobre os povos canaanitas. Eles devem estar
preparados para a guerra, que foi a razão para se fazer o censo dos homens habilitados
para a batalha. |
Para realiza o censo militar Moisés
contou com a ajuda dos lideres tribais (1.1-16). Esse levantamento tribo por
tribo e família por família tomou um período razoável de tempo e foi concluído vinte
dias antes de o povo deixar o Sinai (1.17-46; cf. 10.11).
E
como referenciado os levitas não foram incluídos neste censo, pois estavam
dispensados do serviço militar e posteriormente será feito um censo específico
deles. As responsabilidades deles estavam
ligadas ao Tabernáculo. Eles deveriam transportar e cuidar do Tabernáculo,
armando-o quando o povo acampava e desmontando-o quando eles tinham que
marchar. Só eles poderiam erguê-lo e desmontá-lo; qualquer outro que tocasse
morreria (v. 51; cf. 1 Sm 6.19-20; 2 Sm 6.6-7). Esta era a razão pela qual os
levitas acampavam ao redor do Tabernáculo, e as demais tribos um pouco mais distanciadas
do Tabernáculo (1.46-54). A cada uma das doze tribos foi estabelecido uma
posição especifica que ocuparia no acampamento, de maneira que não viessem a
discutir sobre isso no transcorrer do tempo.
Os líderes que realizaram o censo
foram escolhidos por Deus, não simplesmente por Moisés ou por sorteio e são
mencionados nominalmente (1.5-16), para que ficasse bem claro que era Deus que
havia determinado. O resultado final do censo é que havia em todo o Israel seiscentos
e três mil e quinhentos e cinquenta homens habilitados para guerrear, ficando de
fora os levitas, as mulheres e todos os que não tinham a idade mínima para a
batalha (20 anos, v. 3).
Desta forma foram três censos gerais,
fora o dos levitas, que se realizou desde a saída do Egito e a entrada em
Canaã: o primeiro (Ex 30.11-16)
relacionado com os proventos para sustentar os levitas e o futuro Tabernáculo;
o segundo aqui mencionado tem como
objetivo a formação do exercito para as batalhas e o terceiro, será realizado na região de Moabe, na divisa com Canaã
(capítulo 26) e que se relaciona com as designações territoriais para cada uma
das doze tribos quando viessem tomar posse de sua herança. Em cada um destes
censos Deus esteve na direção.
Quão
diferente foi à motivação de Davi que teimosamente, contrariando a orientação
de Deus, realizou um censo em seus dias, para saber a extensão de seu reino e
que acabou por trazer a ira de Deus sobre ele e o povo “e naqueles dias morreram Mais de 70 mil israelitas” (II
Samuel 24.24 e I Crônicas 21). Quando as coisas são realizadas dentro da
vontade e para a glória de Deus há bênção para todo o povo, mas quando
realizadas apenas para massagear os egos humanos produz-se sofrimento e morte.
Fica aqui o alerta para os estatísticos evangélicos de plantão, que amam
ostentar os números crescentes dos seus feudos eclesiásticos.
"E o Senhor falou" essa
expressão maravilhosa lembra as primeiras palavras de Gênesis – “E falou Deus”. Estas primeiras
palavras de Números, ou seu equivalente, são encontrados não menos do que
oitenta vezes no livro, ou seja, Deus fala continuamente com Moisés e com o
povo, pois é Deus quem está no controle de todos os detalhes e conduz todos,
inclusive Moises.
O
livro inicia afirmando que Deus falou e conclui
relembrando à nova geração que Deus continua
falando. A frase não é apenas uma frase piedosa, como alguns
críticos afirmam, elas se constituem em pressupostos teológicos fundamentais da
fé israelita e nossa fé cristã – Deus fala e as
coisas acontecem – Satanás e todo o inferno podem gritar; os poderosos da
terra podem levantar suas vozes, mas a única voz soberana é do Deus eterno, o
Deus de Abraão, Isaque e Jacó, o Deus e Pai de nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo – o nosso Deus!
Infelizmente
a sociedade corrompida pelo pecado está completamente surda à voz de Deus;
somente aqueles que experimentaram um novo nascimento estão habilitados para
ouvirem, compreenderem e obedecerem a voz de Deus – Jesus afirmou: “as minhas ovelhas ouvem a minha voz e me
seguem”, e somente estas. E quando Deus fala é para ser levado a sério. A
vida individual e nacional de Israel foi sempre conduzida segundo a vontade de
Yahweh e não pela vontade humana, embora essas duas coisas estejam sempre
interagindo.
O
Senhor fala, no meio do deserto, na porta da Tenda da Congregação (Tabernáculo).
O deserto representa sempre o contexto das lutas e dificuldades as quais
estamos sujeitos neste mundo tenebroso – a escassez de água e o sol fustigante
se constituem em perigo constante para todos aqueles que atravessam um deserto.
Os inimigos estão continuamente à espreita, aguardando uma oportunidade para
atacar e destruir. Logo veremos nesta narrativa que os murmuradores de plantão
fazem ruídos tão ensurdecedores ao ponto de em determinado momento Deus dizer a
Moisés que vai deixa-los sozinhos e Moisés se prostrar em terra e clamar para
que Deus tenha misericórdia e não se afaste deles. O deserto sempre revela aquilo que realmente somos e que tipo qual
a qualidade, o DNA da nossa fé.
"E o Senhor falou" significa a
presença de Deus no meio de seu povo; não importa quão duro e implacável seja o
seu deserto ou quão escuro e tenebroso seja o vale que você esteja atravessando
– o Senhor está contigo!
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