quarta-feira, 6 de abril de 2016

OS PROFETAS E AS QUESTÕES SOCIAIS

            Infelizmente a mensagem profética está inserida na primeira parte da nossa Bíblia, conhecida como Antigo Testamento, que traz a ideia de algo antiquado e ultrapassado. Mas na verdade os cristãos do século XXI, acompanhando a tendência iniciada nas gerações do século anterior menosprezam não apenas o Primeiro Testamento como a própria Bíblia em sua totalidade.
            Os cristãos modernos não têm a mínima percepção da relevância da mensagem bíblica, pois a muito abdicaram de ler e compreender a sua mensagem. Optaram em extrair da Bíblia apenas o que lhes interessa e o restante é completamente descartada.
            Entre os descartes encontram-se a literatura dos profetas. Não sem motivo pois os profetas bíblicos nunca se contentaram com uma religiosidade estéril, desassociada das realidades sociais de suas épocas. Eram vozes que clamavam no deserto da indiferença e do hedonismo religioso. Suas mensagens estão embrenhadas das críticas mais contundentes aos pseudos líderes religiosos que se utilizavam de suas prerrogativas para interesses exclusivamente pessoais. Eles jamais temeram o poder dos reis ou de outras autoridades que em vez de visar o bem comum, apenas oprimia a grande maioria da população em benefício de um pequeno grupo de apadrinhados.
            Nestes dias que voltamos a respirar uma atmosfera de real democracia saindo da “ilha da fantasia” para o Brasil real, torna-se fundamental buscarmos os referenciais propostos pelos profetas bíblicos, mas que continuam sendo parte do projeto inicial de Deus para a sociedade humana.
            Ser cristão não é apenas preocupar-se com a salvação das almas, mas preocupar-se com o ser humano em sua inteireza, pois compactuar com as injustiças e com toda sorte de violência que tem sido imposta aos brasileiros é algo inaceitável.
            O profeta bíblico era uma pessoa totalmente inserida em seu contexto histórico temporal e jamais se escondeu na “equidistância” para expressar seu descontentamento e desaprovação quando se tratava de atitudes quer fossem políticas ou religiosas que contrariassem os princípios estabelecidos pelo próprio Deus e registrados em Sua Palavra.
            Esta postura dos profetas espelhava-se nas próprias palavras de Moisés (Dt 6.20-24) e de Josué (24.2.13) que por muitos é considerada o “coração do Pentateuco”. E como tão bem expressa o Rev. Joaquim Beato: “Assim, pois mesmo divergindo tão radicalmente, muitas vezes da mentalidade e da atitude do povo em certos momentos cruciais era de dentro de um patrimônio comum de fé e de experiência, de teologia e de história que o profeta apelava para seus contemporâneos israelitas; e era em nome de seu Deus e do melhor de sua herança cultural que lhes apelava. Os profetas eram, pois, verdadeiros homens de Israel.”[1]
            Os profetas na maioria das vezes entravam em confronto direto não somente com as autoridades políticas, mas também com as autoridades religiosas, representadas na figura do Sumo Sacerdote e os “guardiões” do Templo – os levitas. Isto ocorria porque em vez de ensinarem e exigirem que as autoridades civis de Israel seguissem a Lei estabelecida na Torá, as autoridades religiosas se mancomunavam com os poderes civis e políticos e se deixavam seduzir pelas benesses proporcionada pelo poder e pela função que ocupavam.
            As páginas do Primeiro Testamento estão repletas destas confrontações dos profetas e seus líderes. Um dos mais celebre é a oposição franca e aberta que o profeta Elias fez ao rei Acabe e sua esposa Jezabel. O rei era um homem fraco e de índole má, vivendo unicamente em função de si mesmo a ponto de mandar matar seu vizinho apenas porque queria ampliar seu já imenso jardim real; sua esposa Jezabel havia trazido consigo sua religião e seus próprios deuses Baal e Astarote e havia estabelecido seus templos e altares em todo território da nação Israelita. O povo, por sua vez, comodamente se ajustou a esta nova realidade religiosa. Aos sábados iam para os cultos no Templo à Yavé, e nos demais dias bicavam aqui e ali nos cultos a Baal e Astarote, com toda sua licenciosidade – qualquer semelhança com os crentes de hoje não é mera coincidência.
            Mas Deus jamais aprovou este tipo de comportamento ambíguo. Envia o profeta Elias para confrontar o rei e sua rainha. Declara sem qualquer subterfúgio que este comportamento deles era reprovável aos olhos de Yavé e de que a partir daquele momento não choveria mais em Israel. A reação do rei Acabe é de perseguir o profeta que ousou afronta-lo. E durante mais de três anos não choveu sobre a nação. Tudo secou!
            Ao final deste período o profeta retorna diante do rei e lhe propõe um desafio: que reunisse o povo, juntamente com os 400 profetas de Baal e mais os tantos profetas de Astarote no Monte Carmelo, que na verdade se constituía numa grande arena natural, e ali de uma vez por todas haveriam de saber quem de fato é Deus – se Yavé ou se Baal.
            O desafio foi aceito e no dia marcado lá estavam todos. Começa os profetas de Baal de manhã até após o meio dia; gritam, suplicam, se retalham e absolutamente nada acontece. Então o profeta Elias se levanta, manda derramar água sobre a oferta a ser oferecida em sacrifício e ora de maneira simples e direta, e quando Elias acaba de orar um fogo do céu desce e consome toda a oferta embebida na água. Tudo isto à vista de todos os presentes: rei, rainha, sacerdotes, e o povo em geral.
            O profeta volta-se para seus líderes e para o povo, na esperança de que diante de tal demonstração de supremacia de Yavé eles haveriam de se arrependerem e voltarem para o Senhor desejosos de Seu perdão e reconciliação. Ledo engano, pois o povo em um silêncio sepulcral retorna às suas casas, negócios e à rotina de suas vidas – nada mudou.
            O profeta Elias chocado com esta reação anêmica do povo, vai para o deserto, agora não por orientação de Deus, como na vez anterior, mas frustrado e desanimado, vai para o deserto para morrer. Para que tudo isso? Tanto esforço, tanto sofrimento (três anos sem chuva), e nenhuma reação, nenhuma mudança.
            Ainda que Elias tenha desistido de tudo, Deus jamais desistiu não apenas de Elias, do povo, mas acima de tudo, Deus nunca desistiu de Seu propósito eterno. Leva o profeta para uma caverna e ali o sustenta através de seus anjos. Depois Deus mesmo fala com Elias e lhe renova a alma e o coração. Revigorado Elias retorna ao seu ministério profético e Deus cumpre toda Sua perfeita vontade sobre a nação de Israel.
            Esta verdadeira epopeia de Elias, com todas as suas mudanças repentinas de ação, é para ser relembrado por nós hoje. Assim como Deus manteve seu profeta e efetuou as ações que tinha proposto realizar na vida da nação israelita, ainda hoje, o mesmo Deus está pronto a realizar Suas ações no meio desta nação brasileira.
            A pergunta que não quer calar é: onde estão os Elias? Quem serão aqueles que Deus vai utilizar para confrontar os absurdos e desmandos dos governantes desta nação?
            Tem que ser eu e tem que ser você!
Ou covardemente haveremos de nos escondermos atrás do silencio e faremos de conta que nada está acontecendo!
            Historicamente as igrejas evangélicas no Brasil sempre se omitiram, a não ser em um período curto, entre 1950 e 1964, quando parte de suas lideranças inflamadas por um espírito profético ousaram afrontar as instituições políticas, econômicas, sociais e religiosas.
            Mas pagaram um alto preço. Foram enxotados, perseguidos, traídos, e tratados como párias dentro de suas respectivas denominações, que estavam sendo conduzidas por pessoas mesquinhas, preocupadas unicamente com seus umbigos, que covardemente utilizaram textos bíblicos arrancados de seus contextos para justificarem o injustificável; para apoiarem um governo déspota, para construírem uma zona de conforto onde pudessem se sentirem seguros.
            O Brasil pagou um alto preço por tão desprezível atitude destas denominações. Agora novamente suas lideranças e membresia estão sendo conclamadas a uma tomada de posição – o que haverão de escolher? Iram às praças, avenidas, ruas e vielas proclamando a Justiça do Reino de Deus, ou mais uma vez permaneceram nas sombras do silêncio, usufruindo de uma ilusão de bem-estar às custas das misérias de uma maioria de desafortunados?
            Por enquanto, a resposta tem sido um profundo silêncio! Mas oro para que ainda possamos acordar desta letargia e possamos impulsionados pelo espírito dos profetas bíblicos, elevarmos o Estandarte da mensagem do Reino e da Justiça de Deus no mais alto entre todas, indicando a todas as pessoas que há uma solução, que há esperança, que o propósito de Deus ainda é viável para a sociedade humana.
            Ou quando estivermos no exílio, e não tenham dúvida, o silêncio pernicioso e covarde é o caminho mais rápido para o exílio babilônico, e onde haveremos de orar como Daniel: “a nós só cabe o corar de vergonha! ”


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

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Referências Bibliográficas
BRIGTH, J. História de Israel. São Paulo: Ed. Paulus, 1980.
FALCÃO, Silas Alves. Panorama do Velho Testamento – os livros proféticos. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1965.
FEINBERG, Charles L. Os profetas menores. Tradução: Luiz A. Caruso. Florida: Editora Vida, 1998.
FRANCISCO, Clyde T. Introdução ao Velho Testamento. Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações (JUERP), 1969.
LASOR, W. Sanford, DAVI A. Hubbard e FREDERIC W. Bush. Panorama del Antiguo Testamento - Mensaje, forma y transfondo del Antiguo Testamento. Buenos Aires: Ed. Nueva Creacion, 1995.
ROBINSON, Jorge L. Los doce profetas menores. Texas: Casa Bautista de Publicciones, 1982.

SICRE, José Luís. Profetismo em Israel – o profeta, os profetas, a mensagem. Tradução: João Luís Baraúna. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.

________________________________________
[1] BEATO, Joaquim. Os profetas em época de transformações políticas e sociais. Palestra proferida na Conferência.........


7 comentários:

  1. Perfeito, Mestre !!! Bravo !! Bravo !!! Que Deus em Sua infinita misericórdia continue a te iluminar !! Que textos como este realmente venha impactar a vida de muitos cristãos que ainda vivem "em cima do muro" tanto na questão de Fé como na vida social e política do no País !! Obrigado meu Irmão, pelo texto maravilhoso !! Grande abraço, do mano Paulo Jr.(IPB de Jacupiranga-SP / Congreg. Filadéfia do Jd. Botuquara)

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    1. Amado irmão Paulo fico feliz que o texto tenha contribuído de alguma forma para sua vida. Precisamos com urgência resgatarmos as mensagens proféticas, que nunca, mas ainda mais nesses nossos dias turbulentos, se tornam indispensáveis. Um abraço!

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  2. Desculpa , mas não que se tenha abandonado , mais o novo testamento e Jesus não se tornaram mais importante . Seguir a Jesus não é o objetivo Cristão , e isto não torna o velho testamento um pouco esquecido .

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  3. Prezado Nilo, em nenhum momento Jesus invalidou a mensagem profética, ao contrário, ele reafirmou em grau, gênero e número as reivindicações da mensagem dos profetas e declarou: "Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua Justiça"; que Justiça? a proclamada em prosa e verso por todos os profetas do AT.

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  4. Bom dia!
    Gostaria de dados com respeito a data citada 1950-1964.
    Quais as fontes para pesquisar .

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    1. Desculpe, as referências bibliograficas estão no blog http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

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  5. Parabens querido professor , saudades.
    Como este tema (profetismo) é bastante atual e atualizado.
    ABRAÇOS.

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