Infelizmente a mensagem profética está
inserida na primeira parte da nossa Bíblia, conhecida como Antigo Testamento,
que traz a ideia de algo antiquado e ultrapassado. Mas na verdade os cristãos
do século XXI, acompanhando a tendência iniciada nas gerações do século
anterior menosprezam não apenas o Primeiro Testamento como a própria Bíblia em
sua totalidade.
Os cristãos modernos não têm a
mínima percepção da relevância da mensagem bíblica, pois a muito abdicaram de
ler e compreender a sua mensagem. Optaram em extrair da Bíblia apenas o que
lhes interessa e o restante é completamente descartada.
Entre os descartes encontram-se a
literatura dos profetas. Não sem motivo pois os profetas bíblicos nunca se
contentaram com uma religiosidade estéril, desassociada das realidades sociais
de suas épocas. Eram vozes que clamavam no deserto da indiferença e do
hedonismo religioso. Suas mensagens estão embrenhadas das críticas mais
contundentes aos pseudos líderes religiosos que se utilizavam de suas
prerrogativas para interesses exclusivamente pessoais. Eles jamais temeram o
poder dos reis ou de outras autoridades que em vez de visar o bem comum, apenas
oprimia a grande maioria da população em benefício de um pequeno grupo de
apadrinhados.
Nestes dias que voltamos a respirar
uma atmosfera de real democracia saindo da “ilha da fantasia” para o Brasil
real, torna-se fundamental buscarmos os referenciais propostos pelos profetas
bíblicos, mas que continuam sendo parte do projeto inicial de Deus para a
sociedade humana.
Ser cristão não é apenas
preocupar-se com a salvação das almas, mas preocupar-se com o ser humano em sua
inteireza, pois compactuar com as injustiças e com toda sorte de violência que
tem sido imposta aos brasileiros é algo inaceitável.
O profeta bíblico era uma pessoa
totalmente inserida em seu contexto histórico temporal e jamais se escondeu na
“equidistância” para expressar seu descontentamento e desaprovação quando se
tratava de atitudes quer fossem políticas ou religiosas que contrariassem os
princípios estabelecidos pelo próprio Deus e registrados em Sua Palavra.
Esta postura dos profetas
espelhava-se nas próprias palavras de Moisés (Dt 6.20-24) e de Josué (24.2.13)
que por muitos é considerada o “coração do Pentateuco”. E como tão bem expressa
o Rev. Joaquim Beato: “Assim, pois mesmo divergindo tão radicalmente, muitas
vezes da mentalidade e da atitude do povo em certos momentos cruciais era de
dentro de um patrimônio comum de fé e de experiência, de teologia e de história
que o profeta apelava para seus contemporâneos israelitas; e era em nome de seu
Deus e do melhor de sua herança cultural que lhes apelava. Os profetas eram,
pois, verdadeiros homens de Israel.”[1]
Os profetas na maioria das vezes
entravam em confronto direto não somente com as autoridades políticas, mas também
com as autoridades religiosas, representadas na figura do Sumo Sacerdote e os
“guardiões” do Templo – os levitas. Isto ocorria porque em vez de ensinarem e
exigirem que as autoridades civis de Israel seguissem a Lei estabelecida na
Torá, as autoridades religiosas se mancomunavam com os poderes civis e
políticos e se deixavam seduzir pelas benesses proporcionada pelo poder e pela
função que ocupavam.
As páginas do Primeiro Testamento
estão repletas destas confrontações dos profetas e seus líderes. Um dos mais
celebre é a oposição franca e aberta que o profeta Elias fez ao rei Acabe e sua
esposa Jezabel. O rei era um homem fraco e de índole má, vivendo unicamente em
função de si mesmo a ponto de mandar matar seu vizinho apenas porque queria ampliar
seu já imenso jardim real; sua esposa Jezabel havia trazido consigo sua
religião e seus próprios deuses Baal e Astarote e havia estabelecido seus templos e
altares em todo território da nação Israelita. O povo, por sua vez, comodamente
se ajustou a esta nova realidade religiosa. Aos sábados iam para os cultos no
Templo à Yavé, e nos demais dias bicavam aqui e ali nos cultos a Baal e
Astarote, com toda sua licenciosidade – qualquer semelhança com os crentes de
hoje não é mera coincidência.
Mas Deus jamais aprovou este tipo
de comportamento ambíguo. Envia o profeta Elias para confrontar o rei e sua
rainha. Declara sem qualquer subterfúgio que este comportamento deles era
reprovável aos olhos de Yavé e de que a partir daquele momento não choveria
mais em Israel. A reação do rei Acabe é de perseguir o profeta que ousou
afronta-lo. E durante mais de três anos não choveu sobre a nação. Tudo secou!
Ao final deste período o profeta
retorna diante do rei e lhe propõe um desafio: que reunisse o povo, juntamente
com os 400 profetas de Baal e mais os tantos profetas de Astarote no Monte
Carmelo, que na verdade se constituía numa grande arena natural, e ali de uma
vez por todas haveriam de saber quem de fato é Deus – se Yavé ou se Baal.
O desafio foi aceito e no dia
marcado lá estavam todos. Começa os profetas de Baal de manhã até após o meio
dia; gritam, suplicam, se retalham e absolutamente nada acontece. Então o
profeta Elias se levanta, manda derramar água sobre a oferta a ser oferecida em
sacrifício e ora de maneira simples e direta, e quando Elias acaba de orar um
fogo do céu desce e consome toda a oferta embebida na água. Tudo isto à vista
de todos os presentes: rei, rainha, sacerdotes, e o povo em geral.
O profeta volta-se para seus líderes
e para o povo, na esperança de que diante de tal demonstração de supremacia de
Yavé eles haveriam de se arrependerem e voltarem para o Senhor desejosos de Seu
perdão e reconciliação. Ledo engano, pois o povo em um silêncio sepulcral
retorna às suas casas, negócios e à rotina de suas vidas – nada mudou.
O profeta Elias chocado com esta
reação anêmica do povo, vai para o deserto, agora não por orientação de Deus,
como na vez anterior, mas frustrado e desanimado, vai para o deserto para
morrer. Para que tudo isso? Tanto esforço, tanto sofrimento (três anos sem
chuva), e nenhuma reação, nenhuma mudança.
Ainda que Elias tenha desistido de
tudo, Deus jamais desistiu não apenas de Elias, do povo, mas acima de tudo,
Deus nunca desistiu de Seu propósito eterno. Leva o profeta para uma caverna e
ali o sustenta através de seus anjos. Depois Deus mesmo fala com Elias e lhe
renova a alma e o coração. Revigorado Elias retorna ao seu ministério profético
e Deus cumpre toda Sua perfeita vontade sobre a nação de Israel.
Esta verdadeira epopeia de Elias,
com todas as suas mudanças repentinas de ação, é para ser relembrado por nós
hoje. Assim como Deus manteve seu profeta e efetuou as ações que tinha proposto
realizar na vida da nação israelita, ainda hoje, o mesmo Deus está pronto a
realizar Suas ações no meio desta nação brasileira.
A pergunta que não quer calar é:
onde estão os Elias? Quem serão aqueles que Deus vai utilizar para confrontar
os absurdos e desmandos dos governantes desta nação?
Tem que ser eu e tem que ser você!
Ou covardemente
haveremos de nos escondermos atrás do silencio e faremos de conta que nada está
acontecendo!
Historicamente as igrejas
evangélicas no Brasil sempre se omitiram, a não ser em um período curto, entre
1950 e 1964, quando parte de suas lideranças inflamadas por um espírito
profético ousaram afrontar as instituições políticas, econômicas, sociais e
religiosas.
Mas pagaram um alto preço. Foram
enxotados, perseguidos, traídos, e tratados como párias dentro de suas
respectivas denominações, que estavam sendo conduzidas por pessoas mesquinhas,
preocupadas unicamente com seus umbigos, que covardemente utilizaram textos
bíblicos arrancados de seus contextos para justificarem o injustificável; para
apoiarem um governo déspota, para construírem uma zona de conforto onde
pudessem se sentirem seguros.
O Brasil pagou um alto preço por
tão desprezível atitude destas denominações. Agora novamente suas lideranças e
membresia estão sendo conclamadas a uma tomada de posição – o que haverão de
escolher? Iram às praças, avenidas, ruas e vielas proclamando a Justiça do
Reino de Deus, ou mais uma vez permaneceram nas sombras do silêncio, usufruindo
de uma ilusão de bem-estar às custas das misérias de uma maioria de
desafortunados?
Por enquanto, a resposta tem sido
um profundo silêncio! Mas oro para que ainda possamos acordar desta letargia e
possamos impulsionados pelo espírito dos profetas bíblicos, elevarmos o
Estandarte da mensagem do Reino e da Justiça de Deus no mais alto entre todas,
indicando a todas as pessoas que há uma solução, que há esperança, que o
propósito de Deus ainda é viável para a sociedade humana.
Ou quando estivermos no exílio, e
não tenham dúvida, o silêncio pernicioso e covarde é o caminho mais rápido para
o exílio babilônico, e onde haveremos de orar como Daniel: “a nós só cabe o
corar de vergonha! ”
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências Bibliográficas
BRIGTH, J. História de Israel. São Paulo: Ed. Paulus, 1980.
FALCÃO, Silas Alves. Panorama do Velho Testamento – os livros
proféticos. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1965.
FEINBERG, Charles L. Os profetas menores. Tradução: Luiz A.
Caruso. Florida: Editora Vida, 1998.
FRANCISCO, Clyde T. Introdução ao Velho Testamento. Rio de
Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações (JUERP), 1969.
LASOR, W. Sanford, DAVI A. Hubbard e FREDERIC W. Bush.
Panorama del Antiguo Testamento - Mensaje, forma y transfondo del Antiguo
Testamento. Buenos Aires: Ed. Nueva Creacion, 1995.
ROBINSON, Jorge L. Los doce profetas menores. Texas: Casa
Bautista de Publicciones, 1982.
SICRE, José Luís. Profetismo em Israel – o profeta, os
profetas, a mensagem. Tradução: João Luís Baraúna. Petrópolis: Editora Vozes,
2002.
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[1] BEATO, Joaquim. Os
profetas em época de transformações políticas e sociais. Palestra proferida na
Conferência.........
Perfeito, Mestre !!! Bravo !! Bravo !!! Que Deus em Sua infinita misericórdia continue a te iluminar !! Que textos como este realmente venha impactar a vida de muitos cristãos que ainda vivem "em cima do muro" tanto na questão de Fé como na vida social e política do no País !! Obrigado meu Irmão, pelo texto maravilhoso !! Grande abraço, do mano Paulo Jr.(IPB de Jacupiranga-SP / Congreg. Filadéfia do Jd. Botuquara)
ResponderExcluirAmado irmão Paulo fico feliz que o texto tenha contribuído de alguma forma para sua vida. Precisamos com urgência resgatarmos as mensagens proféticas, que nunca, mas ainda mais nesses nossos dias turbulentos, se tornam indispensáveis. Um abraço!
ExcluirDesculpa , mas não que se tenha abandonado , mais o novo testamento e Jesus não se tornaram mais importante . Seguir a Jesus não é o objetivo Cristão , e isto não torna o velho testamento um pouco esquecido .
ResponderExcluirPrezado Nilo, em nenhum momento Jesus invalidou a mensagem profética, ao contrário, ele reafirmou em grau, gênero e número as reivindicações da mensagem dos profetas e declarou: "Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua Justiça"; que Justiça? a proclamada em prosa e verso por todos os profetas do AT.
ResponderExcluirBom dia!
ResponderExcluirGostaria de dados com respeito a data citada 1950-1964.
Quais as fontes para pesquisar .
Desculpe, as referências bibliograficas estão no blog http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
ExcluirParabens querido professor , saudades.
ResponderExcluirComo este tema (profetismo) é bastante atual e atualizado.
ABRAÇOS.