sábado, 30 de março de 2024

Primeira Epistola de Pedro – Introdução Geral


A maioria das versões opta pela nomenclatura mais curta de “Primeira Pedro”, outras preferem um título mais longo como “A Primeira Epístola de Pedro” ou “A Primeira Epístola Geral de Pedro” e faz parte do último bloco literário do nosso Novo Testamento, denominado de epistolas gerais na companhia de Hebreus, Tiago, 1 Pedro, 2 Pedro, as três epístolas de João e Judas. Dentre elas nenhuma tem sido mais utilizada no transcorrer da história da igreja do que está atribuída ao apostolo Pedro.

Qual a Relevância desta Epístola? Há muitas razões para lermos e estudarmos esta preciosa carta, mas se tivermos que nomear uma em particular o apostolo se concentra na importância de os cristãos estarem sempre preparados para enfrentar o sofrimento, principalmente quando é decorrente de sua fé em Cristo (1 Pedro 2.20).

O escritor evangélico Charles Swindoll faz uma relação muito interessante entre esta primeira carta de Pedro é o livro de Jó. Assim como o livro do Primeiro Testamento foi escrito para nos ensinar a enfrentar as mais intensas adversidades sem perdemos a nossa perspectiva de Deus, o velho apostolo quer que seus leitores não desanimem diante das lutas e adversidades que estejam enfrentando e/ou possam vir a enfrentarem, sem esmorecerem em sua fé, (SWINDOLL, 2004, p. 56).

Autoria

As evidências internas e externas corroboram uma autoria do apostolo Pedro. Os críticos de plantão amam discordar disso e vazem malabarismos textuais para deixar a epistola sem autoria definida. Mas eles fazem isso com todos os livros bíblicos, já se tornou tradição procurar outros autores e datas para os livros bíblicos ainda que seja utilizando teorias muitas vezes extremamente limitadas e improváveis. Então nos contentaremos com autoria e data defendidas por estudiosos respeitáveis e de fé ilibada, que se mantém, apesar de todas as duras críticas sofridas principalmente a partir do século XVIII (Guthrie, 1971, p. 790; Stibbs, 1960, p. 23).

Data

Quando defendemos a autoria petrina desta epístola a data em que foi escrita deve ser limitada à data de seu martírio, portanto, uma data de redação anterior a 68, quando Nero cometeu suicídio, visto que há uma forte tradição de que Pedro foi morto antes da morte de Nero. Assim como na questão da autoria os argumentos contrários não chegam perto de serem conclusivos, os que discordam da proposta conservadora de uma data próximas do ano 64/67 a.C. produzem argumentos igualmente inconclusivos. Uma verdadeira colcha de retalhos é elaborada para indicar uma data além dos anos 80, durante as intensas perseguições no reinado de Domiciano, no começo da década de 90, ou durante o reinado de Trajano, entre 110-111.  Os defensores da hipótese do “círculo petrino”, menos radicais, optam por uma data entre 65/80 d.C.

Destinatários

No primeiro verso Pedro identifica a quem direciona sua correspondência: “aos forasteiros da Dispersão, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia. (províncias nas partes norte, central e ocidental da Ásia Menor [atual Turquia]). As literaturas neotestamentárias não contêm nenhum registro da evangelização da maior parte deste território. As evidências literárias devem ser buscadas dentro do próprio texto. Lembrando que Pedro se não fundou estas comunidades era amplamente conhecido delas e uma referência autoritativa apostólica. O nome de Pedro é um dos mais familiares ao leitor do Novo Testamento, ocorrendo nada menos que 160 vezes.

Há uma certa radicalização quanto a estas comunidades serem eminentemente gentílica ou judaica. Mas a luz da leitura e estudo do livro de Atos não é absurdo entendermos que se trata de comunidades embridas compostas por maiorias e minorias gentílicas e judaicas. O termo chave que poderia definir a composição destas comunidades “diáspora”, todavia foi utilizada tanto para se referir a judeus que viviam espalhados por grande número de países (até hoje), após principalmente do cativeiro babilônico, mas que também foi utilizada por Paulo para se referir às comunidades cristãs gentílicas que foram separadas (exiladas) do mundo para viverem para Deus. Lembrando de que judeus do Ponto, Capadócia, Ásia estiveram presentes no Pentecostes (Atos 2.9), portanto, ouviram o primeiro sermão de Pedro muitos fizeram parte daqueles quase três mim que se converteram. E retornando aos países em que moravam, levaram a mensagem do evangelho com eles. Defensores de que sejam comunidades eminentemente composta por judeus convertidos (Orígenes, Padres Gregos, Calvino, Bengel, Weiss); fico na companhia de E. G. Selwyn que defende que os destinatários eram comunidades "mistas" compostas por judeus e cristãos gentios (SELWYN, 1958, p.44).

Outro detalhe interessante é de que esta foi a região em que Paulo desejava anunciar o evangelho, mas o Espírito Santo não o permitiu (Atos 16.6-8). Além destas citadas por Pedro havia outras comunidades nesta grande região o qual algumas delas receberam posteriormente cartas endereçadas pelo próprio Senhor Jesus ressurreto, conforme registradas nominalmente no Apocalipse (2,3). Assim como, a igreja dos colossenses que não foi mencionada nem por Pedro e nem no Apocalipse.

É possível que no transcorrer do tempo os gentios vieram a tornar-se maioria nestas e demais comunidades cristãs, uma vez mais apelamos ao livro de Atos, que revela haver desde o início da igreja um número crescente de convertidos gentios e decrescente, proporcionalmente, de judeus.  Lembrando de que nas sinagogas se abrigavam muitos gentios (prosélitos) e um grande número de mulheres, que fugiam das religiões pagãs cujos rituais incluíam promiscuidades sexuais.

Não sem razão Paulo e Barnabé iniciavam suas exposições evangélicas sempre nas sinagogas por onde passavam e uma vez expulsos muitos judeus e gentios (prosélitos e mulheres) saiam dando origem às primeiras comunidades cristãs. Pedro era contemporâneo dos missionários referidos ainda que seu campo de atuação, pelo menos no contexto de Atos seja a Palestina e adjacências.

Portador da Carta

O sistema de correspondência era extremamente precário, portanto, se valia de um portador pessoal. No caso dessa epistola de Pedro, que abrangeria diversas localidades e receptores, foi delegado a Silvano, que é inclusive citado nominalmente na carta (cf. 5.12).  Este é, com alto grau de certeza, o Silas ou Silvano que foi um dos companheiros de Paulo em sua segunda viagem missionária. Enviar a carta por meio dele, conhecido e estimado entre essas igrejas referidas, por causa de suas relações com Paulo, aumentaria ainda mais a aceitação e interesse dos receptores.

Tudo indica também que este Silvano (Silas) serviu de amanuense desta carta que apresenta um grego limpo e de alta qualidade, o que seria difícil pensando em Pedro, que mesmo que tivesse habilidade para ler e escrever em grego, certamente não teria a mesma sofisticação literária. Até mesmo o apóstolo Paulo fez uso dos serviços escriturários de amanuenses.

Temática

Os leitores primários a quem a correspondência se refere estavam sendo perseguidos, inicialmente e de forma mais contundente pelos judaizantes, pois viam no cristianismo uma distorção do judaísmo, amplamente ilustrada no livro de Atos; mas gradativamente começa a incomodar o Império Romano que se apercebe do crescimento volumoso do cristianismo e cujas duas propostas centrais – o Senhorio de Cristo e o amor ao próximo – começa a ser vista como ruptura da estrutura de Estado. 

Portanto, o escritor se concentra no tema da conduta cristã apropriada em face de hostilidades anticristãs, independentes de suas origens, bem como no tema da promessa de salvação, que alcançara o seu ápice na glorificação futura de todo o crente em Jesus Cristo. Este último aspecto sustentará os cristãos no momento do martírio.

A mensagem de Pedro é de que todo cristão deve viver em permanente comunhão com Cristo. O fato de que ele próprio caminhou lado a lado com Jesus por quase três anos o capacita a exorta seus irmãos na fé a aprenderem a viver sob pressão em meio às hostilidades contextuais. Ninguém viveu mais sob pressão hostil do que Jesus (desde sua gestação até a cruz), de maneira que Ele é o modelo a ser seguido.  O apóstolo conclama os cristãos a "santificar Cristo como Senhor" em seus corações, para que eles pudessem viver e agir como Jesus deseja durante seu breve tempo aqui na Terra (1 Pedro 3.14-18). Assim como Cristo não afrontou as autoridades constituídas de seus dias, ainda que agissem totalmente à margem da própria lei por eles estabelecida, os cristãos devem aprenderem a viver debaixo das autoridades, ainda que injustas. Portanto, a tese da carta é de que fundamentados em uma fé perseverante na pessoa e obra de Cristo, o cristão pode viver em esperança mesmo em meio ao sofrimento. A palavra esperança é uma palavra-chave que aparece cinco vezes nesta epistola (1.3,13,21; 3.5,15). Desta forma é correto afirmar que Pedro está escrevendo uma carta de esperança para aqueles cristãos e os em toda época, que estão passando por intenso e frequente sofrimento.

Silvano, o amanuense/escriba/secretário

Para um expressivo número de comentaristas bíblicos Silvano é a forma latina de “Silas”, que foi portador das resoluções do Concílio em Jerusalém para as igrejas gentias, incluindo Antioquia e posteriormente fez parte da segunda equipe missionária de Paulo (cf. 1Ts 1.1; 2Ts 1.1 e 2Co 1.19). Na narrativa lucana sobre a segunda viagem missionária, o nome que ali figura é "Silas" (por nove vezes

entre Atos 15.40 e  18.5). Em algum momento tornou-se um amanuense/escriba de Pedro auxiliando na escrita deste primeiro documento do apostolo - (Por meio de Silvano... vos escrevo..., 5.12), o que explicaria o estilo literário grego da epístola. É preciso muita imaginação para concluir que Pedro, pescador galileu, produziu um vocabulário grego tão refinado quanto apresentado nesta correspondência circular. O que não implica de forma alguma que Pedro não seja o responsável direto do conteúdo conceitual da epístola.

A similaridade entre as exortações éticas de Pedro e as que são encontradas nas epistolas paulinas pode significar que ele foi de certa forma influenciado pelos ensinos paulino ou que as recebeu por intermédio de Silvano/Silas; ou ambos tiveram acesso a algumas fontes comuns - orais ou escritas.

Razões Para Estudar 1 Pedro

Entre muitas razões para nos dedicarmos tempo ao estudo deste livro do Novo Testamento, podemos nomear alguns:

• Aprendermos a enfrentar o sofrimento sob a mesma perspectiva do Servo Sofredor supremo, o Senhor Jesus Cristo, o Grande Pastor das Ovelhas

• Vivenciar o evangelho entre os não crentes em todos os contextos sociais

• Manter a esperança focada na exaltação de nosso Senhor em Seu retorno glorioso

• Viver o presente na perspectiva da eternidade – entendendo que somos peregrinos nesta terra

• Manter a nossa comunhão com os irmãos fortalecendo uns aos outros nas adversidades e perseguições que haverão de vir

Esboço Suscinto

Introdução (1.1-2)

A esperança cristã exposta (1.3-12)

Esperança fundamentada no sacrifício de Cristo e em Sua atual posição de glória e poder (1.13-21)

Responsabilidade de mudar e amadurecer na conduta cristã (1.22–2.3)

Cristo, o Cabeça espiritual da Igreja (2.4-8, 21-25)

Instruções específicas para o crescimento espiritual cristão (2.9-20)

Deveres dos maridos e das mulheres (3.1-7)

Instruções sobre como viver em retidão apesar dos sofrimentos (3.8–4.19)

Conselhos aos anciãos, incluindo resistir ao adversário - "o leão rugindo" (5.1-9)

Considerações finais (5.10-14)

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

 

Referências Bibliográficas

EVERETT F. HARRISON, Everett F.  Introducción al Nuevo Testamento. Traducido por Norberto Wolf. Subcomisión Literatura Cristiana dela Iglesia Cristiana Reformada. Michigan: TELL, 1980/1987.

GUTHRIE, Donald. New Testament Introduction. Ed. Rev. Downers Grove:

InterVarstity, 1971.

MUELLER, Ênio R. I Pedro – introdução e comentário. Tradução São Paulo: Edições Vida Nova e Mundo Cristão, 1988/1991. [Série Cultura Bíblica].

SELWYN, Edward Gordon. The First Epistle of St. Peter. London: Macmillan & Co Ltd, 1958.

SWINDOLL, Charles R. Jó – um homem de tolerância heroica. Tradução Neyd Siqueira. São Paulo: Mundo Cristão, 2004. [Coleção heróis da fé].

STIBBS, Alan M. The First Epistle General of Peter: An Introduction and Commentary. Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1988.

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