O quarto Evangelho trás alguns aspectos
que lhe são específicos: no aspecto geográfico e cronológico, no conteúdo
narrativo, na seleção dos ensinamentos e no perfil de Cristo. Ele preenche
perfeitamente o mosaico formado pelas outras três narrativas. Trata-se de uma
diversidade de forma e não de substância, onde o evangelista apresenta
perspectivas próprias, assim como uma abordagem teológica distinta em relação
aos outros três companheiros literários.
O
fato de ter sido escrito muito tempo depois dos outros três deu ao quarto
escritor a oportunidade de preencher diversas lacunas e de apresentar Jesus e
seu ministério por uma perspectiva mais pessoal e intima. Um exemplo são as
narrativas da paixão em que o quarto evangelista dedica praticamente metade de
sua narrativa e levando seus leitores para compartilhar da intimidade de Jesus
e seus discípulos na semana derradeira antes da cruz.
Em nenhum momento o quarto evangelho
contradiz os sinóticos, mas tão somente os complementam. Isso é possível pelo
fato de que o quarto evangelista tinha conhecimento das narrativas anteriores,
se não as três ao menos uma delas.
Quadro Geográfico e Cronológico
O
evangelista João inicia sua narrativa na região da Galileia registrando alguns
milagres como as bodas na vila de Caná, assim como uma multiplicação dos pães e
os peixes nas proximidades de Cafarnaum.
No entanto, é na Judeia e em Jerusalém que veremos Jesus atuando mais
intensamente, como a cura do paralítico à beira do tanque de Betesda, do cego
de nascença, bem como a ressurreição de Lázaro. Também os discursos de Cristo
são pronunciados nos átrios do Templo ou no Cenáculo.
Em
vez disso, nos Sinóticos o ministério de Cristo se desenvolve na região da Galileia
e tendo a cidade de Cafarnaum como o foco radial da atividade de Jesus.
Quanto
à cronologia da atividade pública do Senhor, os três primeiros relatam apenas uma
única Páscoa em que Jesus sobe a Jerusalém e ali se desenvolve os
acontecimentos derradeiros com sua morte na cruz e sua ressurreição. Enquanto
na narrativa joanina temos referência de pelo menos três festas pascais (2.23;
6.4; 12.1), o que implica três anos de ministério. Por outro lado, segundo Mateus,
Jesus começa seu ministério depois da prisão de João Batista (Mt 4, 2). Na
narrativa joanina Jesus inicia seu ministério concomitantemente com os últimos
dias do ministério do Batista (Jo 3,2).
Conteúdo narrativo
Dos
vinte e nove milagres narrado pelos Sinóticos, apenas dois aparecem no quarto
Evangelho, a multiplicação dos pães e dos peixes, e a caminhada de Jesus sobre
as águas no Lago da Galileia, entretanto registra outros cinco milagres não
citados pelos sinóticos: 2.1-11 (Caná); 4.46-54 (filho do oficial do rei); 5.1-9
(paralitico no poço de Betesda); 9.1-7 (cego de nascença); 11.33-34
(ressurreição de Lázaro).
A
maior parte de perícopes dos três primeiros evangelhos não tem paralelo no
quarto, ainda que elas sejam tão importantes quanto a Transfiguração e a
Instituição da Ceia. Por outro lado, quando ele descreve o mesmo relato o faz
de uma perspectiva distinta. Por exemplo, a instituição da Ceia em que os
sinóticos trazem apenas o pequeno recorte do momento em que Jesus a institui
oficialmente como símbolo de sua morte e ressurreição, enquanto que João nos
fornece toda a cena e os acontecimentos que transcorreram durante toda aquela
noite, antes, durante e depois da refeição da Páscoa.
Perícopes
curtas são abundantes nos sinóticos sendo agrupadas de forma livre e os
interlocutores são os mais diversos possíveis. Jesus dirige-se aos fariseus,
saduceus, escribas e às multidões da Galileia, usando uma linguagem popular
vivida e repleta de imagens comuns da região. No quarto evangelho os discursos
são mais longos e em linguagem mais abstrata e conceitual; os diálogos
frequentemente são transformados em monólogos onde Jesus expõe as verdades
espirituais do Seu Evangelho.
Quanto
aos interlocutores, ao contrário dos Sinóticos, no quarto Evangelho muitas
vezes encontramos um personagem específico, ou um pequeno grupo. Como por
exemplo, quando Jesus fala do nascimento e/ou nova criação com Nicodemos, ou da
água viva com a mulher samaritana e do Pão da Vida na sinagoga de Cafarnaum.
Temas e a Figura de Jesus
Neste quarto evangelho o tema do
Reino de Deus é referido apenas no dialogo de Jesus com Nicodemos um chefe de
Sinagoga (3.3-4), enquanto nos sinóticos, especialmente em Mateus, a menção é
recorrente. No dialogo de Jesus com Pilatos a expressão refere-se ao Reino de
Cristo o que neste caso há uma familiaridade com os relatos paralelos, mas o
material joanino nos oferece mais denso e rico material (cf. Jo 18.33-38; Mt
27.11 e paralelos). Nos primeiros evangelhos
encontramos diversas referências há vários mandamentos que identifica se ajusta
perfeitamente ao contexto judaico e que posteriormente refletira nas comunidades
judaico-cristãs que versam sobre pureza ritual, observância do jejum e do
sábado, das esmolas e como fazê-lo. Encontramos também numerosos preceitos
referentes à oração, a confiança, pobreza, castidade, obediência, etc. João não
minimiza o valor intrínseco dos mandamentos, mas enfatiza que todos eles estão
sintetizados no amor, pois quem ama a Cristo são aqueles que verdadeiramente
guardam os seus mandamentos. (cf. Jo
14.15-21; 15.10-14). Paralelamente ao amor, outro ponto fundamental que permeia
a narrativa joanina é a fé, estabelecendo desta forma os dois pilares da vida
cristã.
João
oferece aos seus leitores uma nova perspectiva da figura de Jesus em relação
aos demais evangelistas, o que não significa que seja outra pessoa, mas
simplesmente que ele é descrito por ângulos diferentes assim como sua forma de
ensinar. Suas palavras são revestidas de certo mistério, seus monólogos mais
longos, sua forma de ensinar é mais conceitual, seus temas adquire uma dimensão
maior, sua aceitação da Cruz mais sereno e sua divindade fica mais evidenciada.
Essas
semelhanças e diferenças, e outras que podem ser encontradas tem estabelecido
uma rede de criticas que geram aceitação ou rejeição da autenticidade dos
relatos evangélicos.
A
chamada crítica racionalista produzida a partir do Iluminismo gerado nas
entranhas da Idade Média questionou e depois evoluiu para uma total negação a
todos os relatos do sobrenatural e a possibilidade de milagres, esvaziando as
narrativas evangélicas da vivacidade e beleza que apresenta-nos a figura humana
e divina do Salvador. É por esta razão que particularmente este quarto
evangelho, bem como os demais escritos evangélicos tem sido esmiuçados e
desacreditados. As palavras de Ambrósio (340-397 D.C.) ainda ressoam como que
pronunciados nos dias atuais: “nenhum
homem jamais contemplou a majestade de Deus com tão sublime conhecimento de sua
sabedoria, nem Ele deu a conhecer com palavras tão elevadas como as deste
apóstolo” [1].
Todos
aqueles críticos que enaltecem quaisquer características deste evangelho, mas
negam seu valor histórico corroem os fundamentos desta literatura, bem como de
toda a Escritura bíblica.
Utilização livre
desde que citando a fonteGuedes, Ivan PereiraMestre em Ciências
da Religião.me.ivanguedes@gmail.comOutro Bloghttp://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
NT - Evangelho de
João: Autoria
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/01/exegese-de-joao-424.html
NT - Evangelho de
João: Contexto Religioso
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/01/nt-evangelho-joao-contexto-religioso.html
Vocabulário Bíblico –
Evangelho
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/01/vocabulario-biblico-evangelho.html
NT – Evidências
Literárias do Desenvolvimento do Cânon
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/01/nt-evidencias-literarias-do.html
Referências Bíblicas
BARCLAY,
William. El Nuevo Testamento, v. 5. Buenos Aires: La Aurora,
1974.
BONNET, Luis y
SCHROEDER, Alfredo. Comentário del Nuevo Testamento. Buenos Aires:
La Aurora, 1974. [v. 5].
CARSON, D. A. Introdução
ao Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2001.
GARCIA-MORENO, Antonio. El Evangelio Segun San Juan – introduccion y exgesis. Badajoz-Pamplona,
1996.
HENDRIKSEN, William. Comentário
do Novo Testamento – João. São Paulo: Ed. Cultura Cristã,
2004. [v.1,].
HULL, W. E. Comentário
bíblico Broadman, v. 9. Rio de Janeiro: JUERP, 1983.
MCARTHUR, John. Comentário
Macarthur del Nuevo Testamento – Juan. Epanha: Kregel, 2011.
MICHAELS, J.
Ramsey. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo – João. São
Paulo: Vida, 1994.
PACK, Frank. O
Evangelho Segundo João. São Paulo: Vida Cristã, 1983.
TENNEY, Merrill
C. O Novo Testamento – sua origem e análise. 2ª ed. São Paulo:
Vida Nova, 1972.
Nenhum comentário:
Postar um comentário