quarta-feira, 7 de março de 2018

Páscoa: Jesus no Cenáculo - Prelúdio (João 13.2)



Durante a ceia, o Diabo já havia inspirado Judas Iscariotes, filho de Simão, que aquela era a noite para ele executar o seu plano de trair Jesus.  (Parafrase – Biblia Viva)
E, acabada a ceia, tendo o diabo posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, que o traísse, (Corrigida Fiel – Português)
Estava sendo servido o jantar, e o Diabo já havia induzido Judas Iscariotes, filho de Simão, a trair Jesus. (Nova Versão Internacional – Português)
Enquanto ceavam, tendo já o Diabo posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, que o traísse, (Revisada – Português)

Texto Grego – Textus Receptus
13.2 και δειπνου γενομενου του διαβολου ηδη βεβληκοτος εις την καρδιαν ιουδα σιμωνος ισκαριωτου ινα αυτον παραδω.

Como vimos o evangelista João inicia essa grande perícope com um pequeno proêmio o qual propositalmente separei o verso dois, pois não desejava quebrar o clima tão sublime exposto no artigo anterior, referente ao verso primeiro.
Outra razão é que nesse verso haveremos de tratar sobre algumas questões muito peculiares da ação do diabo na vida das pessoas, no caso aqui especifico, de um dos próprios discípulos de Jesus, ou seja, Judas Iscariotes que havia convivido com Jesus por quase três anos.
Ele foi testemunha ocular dos mais diversos milagres realizados por Jesus: testemunhou a expulsão dos demônios, a visão dos cegos (mesmo um cego de nascença - João 9), e a ressurreição dos mortos (cf. João 11); estava lá quando Jesus acalmou a tempestade (cf. Lucas 8. 22-25) e quando ele andou no mar (João 6. 19-21). Ele participou da alimentação dos 5.000 (João 6. 1-14) e depois dos 4.000 (Mateus 15. 29-39). Ele participou igualmente em duas missões evangelísticas, recebendo a mesma autoridade e poder dos demais (Mateus 10.4), primeiro com os doze e depois com os setenta, por toda a Palestina judaica e certamente trouxe juntamente com os demais seu relatório dos feitos realizados de sinais e maravilhas e onde até mesmo os espíritos malignos lhes submeteram em nome de Jesus. Judas Iscariotes igualmente teve a oportunidade de crer em Jesus, mas escolheu traí-lo.[1]
            Esse mesmo Judas Iscariotes é o triste personagem do qual o diabo se utilizará para impulsionar os planos sinistros dos adversários de Jesus cujo único objetivo é a morte dele. Ele é mencionado em outras referências evangélicas (cf. quadro ao lado).
Durante a ceia:[2] Das versões acima somente a Corrigida Fiel optou pela indicação de que a refeição já havia sido concluída, mas as demais concordam que Jesus e os discípulos continuam reclinados à mesa comendo, o que faz mais sentido com os fatos subsequentes que serão narrados (João 13.26, João 13.30). Uma tradução mais elaborada seria “Quando a refeição já tinha começado” ou “Quando a refeição foi servida”, o que harmoniza com a ação de Jesus em lavar os pés dos seus discípulos.[3]
Eles chegaram ao Cenáculo e um a um eles foram se reclinando ao redor de Jesus à mesa. O Mestre aguarda até que a refeição seja posta e então se levanta, para espanto e vergonha de todos eles, e começa a lavar-lhes os pés. Segundo os costumes cerimoniais isso deveria ter sido feito antes da refeição começar (cf. Lc 7.44), mas nenhum deles se dispôs a fazer um serviço tão humilde. Após lavar os pés dos discípulos Jesus retorna ao seu lugar (13.12) e a refeição tem sua continuidade (13.26).
tendo já o diabo posto no coração de Judas, ... que o traísse:[4] Na medida em que a refeição prossegue seu ritmo natural, forças malignas estão em ação no coração de Judas. A ideia aqui é que desde algum tempo Judas vinha acalentando esta possibilidade. Ele percebe que o cerco esta se fechando sobre Jesus, os Sacerdotes, os escribas, os fariseus, os saduceus e até mesmo os mais radicais zelotes se unem pela primeira e única vez na vida, com o único propósito de matar Jesus. Aproximadamente um ano antes Jesus já indicava que um dos doze o trairia e somente ele sabia que era Judas Iscariotes (Jo 6.64, 70-71). Durante todo esse tempo Judas ficou pacientemente aguardando a ocasião mais propicia e que lhe renderia algum lucro, visto que seu coração estava dominado pela cobiça e por Mamon[5] (Lc 16.13) e não por amor a Jesus.
Aqui temos três cenas sobrepostas: primeiro a intenção do diabo que desde o inicio e durante o ministério tentou desviar Jesus da cruz e agora sua última cartada será utilizar-se de Judas Iscariotes como instrumento para entrega-lo à morte; segundo o próprio Judas Iscariotes, vítima de sua própria ganância e do ardil do diabo; terceiro o próprio diabo, cuja essência exala somente o mal, mas que vai tão somente cumprir o seu papel nos designos de Deus.
Mas quando emoldurados estas cenas revelam um quadro terrível, maquiavélico e escuro, que se contrasta totalmente com a única e maravilhosa cena do verso primeiro iluminada com a luz do amor gracioso e perseverante de Jesus em favor daqueles que o Pai lhe confiara. Enquanto do coração de Judas e do diabo somente brotam o mal e a morte, do coração de Jesus emana o amor e a vida.
            Esse verso se constitui em um alerta permanente para todos aqueles que mesmo estando inseridos nas comunidades cristãs, continuam com seus corações tomados pela ganância e egoísmo. E assim como Satanás utilizous-e de Judas para realização de seus propósitos malignos, aquelas pessoas que vivem em função de si mesmas e não em favor do Corpo (igreja), serão utilizados para gerarem contendas, divisões e dissenssões, enfraquecendo o testemunho e a comunhão da Igreja.
            Assim como Judas não imaginou as consequências destrutivas de suas ações, tanto que depois tirou sua própria vida, pois não conseguiu digerir sua própria culpa, igualmente as ações narcisistas e gananciosas destas pessoas traram dor e sofrimento para o Corpo de Cristo que é a Sua Igreja. Mas o resultado final destas pessoas será o mesmo de Judas Iscariotes – a morte.

No dia do juízo muitos Me dirão:
Senhor, Senhor, nós falamos aos outros a seu respeito,
e usamos o seu nome para expulsar demônios, e para fazer muitos outros grandes milagres.
Então eu lhes direi claramente:
Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
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Referências Bíblicas
BARCLAY, William. El Nuevo Testamento, v. 5. Buenos Aires: La Aurora, 1974.
BETTENCOURT, Estevão. Para Entender os Evangelhos.  Rio de Janeiro: Agir, 1960.
BONNET, Luis y SCHROEDER, Alfredo. Comentário del Nuevo Testamento. Buenos Aires: La Aurora, 1974. [v. 5].
BRUCE, F. F. João – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2008. [Série Cultura Bíblica].
CARSON, D. A. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2001.
HENDRIKSEN, GUILLERMO. Juan – comentário del Nuevo Testamento. Michigan: Subcomission Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1980.
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – João. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2004. [v.1,].
HOSKYNS, Edwyn Clement. The Four Gospel. London: Faber eand Faber, Limited, 1960.
HULL, W. E. Comentário bíblico Broadman, v. 9. Rio de Janeiro: JUERP, 1983.
MAGGIONI, Bruno. Os relatos evangélicos da Paixão. Tradução de Bertilo Brod. São Paulo: Palinas, 2000. [Coleção Espiritualidade sem fronteiras].
MACGREGOR, G. H. C. The Gospel of John. California: Harper and Brothers, 1928. [The Moffatt New Testament Commentary, V. 4].
MCARTHUR, John. Comentário Macarthur del Nuevo Testamento – Juan. Epanha: Kregel, 2011.
MICHAELS, J. Ramsey. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo – João. São Paulo: Vida, 1994.
PACK, Frank. O Evangelho Segundo João. São Paulo: Vida Cristã, 1983.
TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento – sua origem e análise. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1972.



[1] O apóstolo Paulo alerta os cristãos de Corinto para o perigo da infiltração dos “Judas Iscariotes” no meio das comunidades cristãs: “Pois tais pessoas são falsos apóstolos, trabalhadores enganadores, disfarçados de apóstolos de Cristo. E não admira, pois mesmo Satanás se disfarça como um anjo da luz. Portanto, não é surpreendente que os seus servos também se disfarçem como servos da justiça, cujo fim corresponderá às suas ações” (2 Coríntios 11. 13-15).
[2] A discussão sobre o dia em que essa refeição aconteceu foi discutida no artigo anterior.
[3]No que tange às evidências textuais, há equilíbrio entre as duas variantes, deipinou genomenou (acabada a ceia) consta de um grande numero de manuscritos, incluindo o Papiro 66 e a maioria dos manuscritos medievais. Mas o contexto é decisivo em favorecer deipnou ginomenou (durante a ceia).
[4]Uma tradução possível, em conformidade com alguns manuscritos, seria: “Tendo já o diabo posto no coração que Judas Iscariotes, filho de Simão, trairia Jesus”, onde se leva a pensar que se trata do próprio coração do diabo e não o de Judas a fonte do desejo de matar Jesus. O comentarista exegético C. K. Barrett afirma que essa deve ser a construção obrigatória desta passagem e interpreta: “O diabo já tinha decidido que Judas Iscariotes, o filho de Simão, deveria traí-lo” (abud, BRUCE, 2008, p. 240).
[5] Mamon é um termo, derivado da Bíblia, usado para descrever riqueza material ou cobiça, na maioria das vezes, mas nem sempre, personificado como uma divindade. A própria palavra é uma transliteração da palavra hebraica "Mamom" (מָמוֹן), que significa literalmente "dinheiro". Como ser, Mamon representa o terceiro pecado, a Ganância ou Avareza, também o anticristo, devorador de almas, e um dos sete príncipes do Inferno. Sua aparência é normalmente relacionada a um nobre de aparência deformada, que carrega um grande saco de moedas de ouro, e "suborna" os humanos para obter suas almas. Em outros casos é visto com uma espécie de pássaro negro (semelhante ao abutre), porém com dentes capazes de estraçalhar as almas humanas que comprara. [Wikipédia, a enciclopédia livre].

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