sábado, 29 de julho de 2017

A Cristologia no Evangelho Segundo João


            O quarto evangelho é distinto dos primeiros três denominados de sinóticos (Mt, Lc e Mc). João foi o último dos apóstolos a morrer e seus escritos foram produzidos no final do primeiro século. As perguntas que estão sendo levantadas nesse momento são distintas daqueles que seus colegas se propuseram a responder em período anterior. Um dos propósitos deste evangelho é demonstrar a divindade de Jesus Cristo, o que fica evidente desde seus prologo de abertura onde ele relaciona Jesus Cristo como sendo o Verbo/Palavra que sempre existiu desde a eternidade e que participa efetivamente na criação e sustentação do Mundo. Neste artigo vamos acompanhar no transcorrer da narrativa como o evangelista desenvolve uma cristologia consistente e inteligível aos seus primeiros leitores e a todos que se dispõe a estuda-lo com acuidade e fé.

Unigênito do Pai
Jesus Cristo não é um filho de Deus, mas ele é o Filho de Deus. Jesus é único (unigênito), pois tem a mesma natureza do Pai e do Espírito sem qualquer distinção em poder e glória (Hb 1.3). Jesus é a plena e definitiva revelação do Pai (2 Co 4.4; Gl 1.15).
Para o evangelista não há qualquer dúvida da filiação divina de Jesus quando declara que é o “unigênito" "monogenes" "o Filho unigênito" –“monogenes Zeos” (Jo 1.14 e 18) igual [em todos os atributos] ao Pai, e desde toda a eternidade esteve "no seio do Pai". Jesus é o "Filho de Deus" (Rm 1.3), "o Filho do seu amor" (Cl 1.13), o seu amado no qual o Pai tem toda sua satisfação (Mc 1.11; 9.7). O Pai, que nunca foi visto por olhos humanos é dado a conhecer através do Filho que desde a eternidade compartilha da intimidade do Pai (1.1) e o tem visto (6.46) e vem da parte dele (7.29; 16.28); Jesus é aquele que fala da parte de Deus (3.34; 12.49-50; 14.24; 17.8.14). Por esta razão, somente ele está qualificado para revelar plenamente quem é Deus e como é Deus. "Deus nunca foi visto por alguém. O Filho [Deus] unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou" (1.18).
Idêntico e Imanente
O centro de gravidade da cristologia joanina repousa sobre a unidade do Pai e do Filho. Aqui estão apenas alguns textos: "Eu e o Pai somos um" (Jo 10.30) onde a expressão grega neutra indica que o Pai e o Filho é uma unidade perfeita. Eles têm a mesma natureza, o mesmo conhecimento, as mesmas vontades. A unidade de todos os crentes, um dos princípios basilar da Igreja como testemunho evangelístico, é um paradigma ideal da unidade do Pai e do Filho: "Para que todos sejam um, como nós somos um” (Jo 17.11). Uma vez que eles são idênticos, conhecer o Filho é conhecer o Pai (Jo 14.7) e, se ignorarmos o Pai também ignoramos o Filho. Quem vê o Filho vê o Pai (Jo 14.9). E aquele que odeia o Filho odeia o Pai (Jo 15.23). A rejeição e hostilidade do mundo contra Jesus Cristo, em última análise uma hostilidade contra seu Pai, contra Deus (Jo 8.31-59). Da mesma forma que o Filho conhece o Pai é conhecido por Ele (Jo 10.15). Isto implica o conhecimento recíproco e é um mistério que liga e unifica de modo que o Filho encarnado se identifica como sendo o "EU SOU" (João 8.24, 28), até então reservado exclusivamente para o Deus Pai (Is 43.10,12,13; Ex 3.14). Há uma interpenetração entre os dois de tal maneira que podemos afirmar que o Filho vive no coração do Pai e que o Pai no coração do Filho. Um está no outro e esta imanência mútua é bem atestada: "Eu estou no Pai e o Pai está em mim" (Jo 14.11). "O Pai está em mim e eu nele" (10.38; 17.21). "... estou em meu Pai, vocês em mim, e eu em vocês" (14. 20). Esta imanência tripla do Pai, do Filho e dos filhos (crentes), se expressa na alegoria da videira (Jo 15.1-7). O Pai é o agricultor, o Filho é a videira e os filhos (crentes) são os ramos. A videira é existencialmente ligada ao agricultor e os ramos são vitalmente ligados à videira. No pleroma o Filho está no Pai, há um sentido passivo, ele está cheio de Deus, e, ao mesmo tempo, há um sentido ativo, na vida dos crentes, a Plenitude da Igreja.
Enviado pelo Pai
Jesus reivindica que veio a este mundo como o enviado do Pai (Jo 5.36, 6.57, 10.36). Que o Pai age nele e através dele. "O que o Pai faz, o Filho também faz" (Jo 5.19). Quem o enviou está sempre com ele (Jo 8.4, 28). Ele veio como um enviado divino e por isso é necessário aceitar e crer nele (Jo 6.29). Tudo quanto ele faz e fala vem da parte do Pai, pois Ele não fala por si próprio, mas expressa a voz do Pai: "Esta doutrina não é minha, mas daquele que me enviou" (Jo 7.6). "Eu não falo por mim mesmo, o Pai me ordenou o que eu tenho a dizer e ensinar" (Jo 12.49). O Mensageiro executa uma função e não pode extrapolar a sua missão e suas funções. Afirma que ele e o Pai são um e ao mesmo tempo diz que "o Pai é maior" do que ele (Jo 14.28). Esta não é uma inferioridade ou subordinação do Filho do Pai, no sentido de que ele é uma criatura, como pensava e ensinava os arianos. Ele é enviado pelo Pai e "o enviado maior do que aquele que o enviou(Jo 13.16), pelo contrário, é dependente daquele que o envia, e deve se sujeitar a ele para cumprir a sua missão para ele seja glorificado e conhecido. Somente neste sentido o Filho é inferior ao Pai.
A Vontade do Pai
Jesus é o Filho perfeito, absolutamente entregue ao Pai, no amor, na obediência e fidelidade. Faz o que o Pai lhe ordenou (Jo 14.31), seu alimento é fazer a vontade do Pai (4.34); "Eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (6.38), "Eu sempre faço o que lhe [Pai] agrada" (8.29). Ele é um juiz que "ouve" o Pai e pronuncia seu julgamento depois de ouvi-lo: "e o meu juízo é justo, porque não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai que me enviou” (5.30). E seu julgamento não é apenas condenatório pois "Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condená-lo, mas para salvá-lo" (3.17). Ele fez a vontade do Pai até o fim, bebendo todo o cálice que tinha recebido do Pai (18.11). "Ele deu a si mesmo por nossos pecados ... de acordo com a vontade de nosso Deus e Pai" (Gl 1.4). Não admira que um de seus útlimos brados na cruz foi a declaração: "Está consumado" (Jo 19, 30). Ele fez toda a vontade do Pai.
A Revelação do Pai
Jesus é a Palavra última e definitiva do Pai, a Palavra que se fez carne (Jo 1.14). Somente ele pode revelar a intimidade de Deus plenamente, porque “tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer” (15.15). Ele é aquele que manifesta e revela o Pai, “se vós me conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai” (Jo 8, 19). Ele utiliza as parabolas, todavia haverá o tempo (após sua morte, ressurreição e exaltação) em que todos verão o Pai (Jo 16.25), de forma aberta, com liberdade absoluta. Jesus mesmo haverá de abrir as mentes de seus discipulos para que possam alcançar a plena verdade e entender o mistério de Deus Pai (10.30).
O Representante Legal do Pai
Jesus é o plenipotenciário. Ele é revestido da autoridade do Pai, pela qual ele fala (Mc 1.22-27), não como os escribas que ensinam apenas repetindo o que os outros haviam dito. Jesus inumeras declara muitas vezes: “Eu vos tenho dito” de maneira que seus ensinos tem autoridade nele.  O Pai lhe confiou todas as coisas e toda a sua autoridade. E a maior manifestação da vontade do Pai é que "todos os homens sejam salvos" (1 Timóteo 2.4). E essa salvação será manifestada a todo o mundo, porque para isso o Pai tem lhe dado "todo o poder no céu e na terra" (Mt 28, 18).
O caminho para o Pai
"Eu vim do Pai e entrei no mundo, agora deixo o mundo e retorno para o Pai" (Jo 16.28). Com estas palavras, Jesus faz uma dupla afirmação quanto a sua existência na eternidade e sua encarnação no tempo. Tendo completado sua missão, ele pode dizer: "Eu vou para o Pai" (14.12). Mas estas palavras não são indicam o fim de suas atividades, mas o início de uma nova atividade agora glorificado "ao lado do Pai, sempre vivo para interceder por vós" (Heb 7.25). Ele é o nosso advogado junto ao Pai (1 João 2.1). Na passagem de João (14.4-11), a palavra "pai" aparece dez vezes e sempre em torno da idéia de que Jesus é o único caminho para o Pai: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (14.6). Somente Ele é o caminho que leva à verdade e a vida que estão no Pai; Ele é o caminho, a verdade, isto é, a Palavra de Deus revelada por Ele, conduz à vida é ao Pai; Jesus é o caminho, porque é a verdade e a vida. A melhor tradução seria esta: "Eu sou o verdadeiro caminho que conduz à vida". Somente ele é o único mediador entre o Pai e nós, a divina ponte de ligação da humanidade com o Criador. "Sem mim nada podeis fazer" (Jo 15.5). E ninguém vem ao Pai senão por meio de Jesus Cristo e ninguém pode ir a Jesus Cristo, a não ser que o Pai o leve (Jo 6.44).

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
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Referências Bíblicas
BARCLAY, William. El Nuevo Testamento, v. 5. Buenos Aires: La Aurora, 1974.
BONNET, Luis y SCHROEDER, Alfredo. Comentário del Nuevo Testamento. Buenos Aires: La Aurora, 1974. [v. 5].
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HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – João. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2004. [v.1,].
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PACK, Frank. O Evangelho Segundo João. São Paulo: Vida Cristã, 1983.
TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento – sua origem e análise. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1972.

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