sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A COSMOLOGIA HEBRAICA [1]

            A Bíblia não é um livro cientifico, todavia não se encontra nela quaisquer erros em relação à formação do Universo. Suas informações cosmogônicas têm sido aceitas por cientistas das mais diferentes especialidades.
            A confiança nas informações bíblicas em relação ao planeta e à criação ficaram abaladas por causa das interpretações equivocadas produzidas pela Igreja Cristã no período da Idade Média. Por causa disso a Bíblia sofreu uma depreciação muito forte por parte dos iluministas e renascentistas, que aproveitaram esta oportunidade para enaltecer a razão sobre a fé. Mas com o desenvolvimento das ciências e com mais apurada interpretação dos registros bíblicos fica cada vez mais evidente que a bíblia é um livro permanentemente contemporâneo e que seus conceitos continuam sendo plausíveis, assim como sua cosmogonia.
A BÍBLIA E A MATÉRIA ORIGINAL
            Para os gregos o Mundo surge a partir de uma matéria pré-existente ou original. O que a Bíblia tem a dizer sobre essa questão? Veremos rapidamente as teses gregas da formação do Mundo e depois o que a Bíblia informa.
            A partir da Escola Jônica se entendia que o Mundo se origina a partir de uma substância indefinida “apeiron – sem fim” (Anaximandro). Para Tales de Mileto a água era o elemento que deu origem aos demais elementos [o ser humano é composto por água].  Já Anaxímes de Mileto chega à conclusão que o princípio formador era o ar.
Para Tales de Mileto, era a água o elemento do qual todos os demais são originários. Ele foi levado a posicionar-se, dessa forma, explica Aristóteles, depois de observar a presença da água em todas as coisas. Para Heráclito o Mundo está em constante movimento, segundo ele o Cosmo transmuta-se permanente e indefinidamente, de maneira que no futuro o Planeta será lançado em um imensurável abismo. Outro filosofo grego, Empédocles, concluiu que o Mundo era formado por quatro elementos originais: ar, água, terra e fogo e Aristóteles tornou essa tese popular e por mais de vinte séculos ela foi aceita como verdade (dogma).
Aproximando-se mais da ciência moderna, Anaxágoras concluía que o Universo era formado por diminutas partículas, podendo estar em estado inanimado ou não, que Aristóteles denominou-as de hemeomerias. Posteriormente a Escola Atomística defende que todas as coisas, inclusive a alma, são compostas por corpúsculos invisíveis a olho nu (Leucipo). Hoje esses corpúsculos são denominados de átomos.
            Poucos pensadores gregos e de forma tênue se aproximaram do criacionismo bíblico. O matemático Pitágoras de Samos aponta Deus como sendo o Número Perfeito, do qual segundo ele nasceram os mundos e o ser humano. Xenófanes, fundador da Escola Eleática, revela-se monoteísta, contrariando a mitologia helena, defende a tese de que o Universo é obra de Deus, do único Deus.
            Os escritores bíblicos não endossam nenhuma dessas teses gregas, a não ser a última citada, pois como declara o escritor de Hebreus: “Pela fé entendemos que foi o Universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem" (Hb 11.23). Em nenhum momento a Bíblia tem a preocupação de desvendar como ou de que forma Deus criou o Mundo e o Universo. O livro de Gênesis abre com uma declaração simples: “Criou Deus os céus e a terra” – e nem uma explicação ou teoria sobre como Ele fez isso. O ensino bíblico resume os fatos em que todas as coisas foram criadas pelo poder imanente da Palavra de Deus. Deus falava e as coisas eram criadas. Falando no centro do conhecimento grego, Areópago, o apóstolo Paulo utiliza-se das teses dos filósofos epicureus e estoicos e declara: “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe...” (Atos 17.24).
A BÍBLIA E A ESFERICIDADE DA TERRA
            Os sábios do Egito produziram inúmeras teses sobre o formato da Terra, todavia, Moisés apesar de as conhece-las não as utiliza em nenhuma de suas narrativas. Seus registros são simples e diretos – Deus criou e deu forma ao Mundo.
            Os gregos em sua busca constante de conhecimento tentaram sempre desvendar os mistérios da esfericidade da Terra e seu movimento. Somente Pitágoras e dois mil anos depois Copérnico chegaram a conclusão de que a Terra tinha formato esférico.
            O profeta Isaías a muito tempo havia declarado: "Ele |Deus| é o que está assentado sobre o globo da Terra, cujos moradores são para ele como gafanhotos: ele é o que estende os céus como tenda para neles habitar..." (Is 40.22.)
A BÍBLIA E O GEOCENTRISMO E HELIOCENTRISMO
            A base do ensino astronômico do período medieval, centrava-se nos ensinos de Ptolomeu, que afirmava ser a Terra o centro do Universo (geocentrismo). Nesse período a Igreja adotou essa tese como dogma e quem ousasse contrariar seria morto (Inquisição).
            Com a chegada do renascentismo, coube a Nicolau Copérnico (1473-1583), retornando aos conceitos de Pitágoras, Heráclites do Ponto e Aristarco de Samos, afirmar que a Terra gira em torno do Sol, portanto o Sol é o centro do Universo (heliocentrismo).
Nicolau Copérnico (1473-1583), entretanto, instigado pelos ares renascentistas da cultura greco-romana, volta-se às ideias de Pitágoras, Heráclites do Ponto e Aristarco de Samos. Inconformado com as complicações do geocentrismo, admite a hipótese heliocêntrica, segundo a qual é o Sol, e não a Terra, o centro do Universo. Em seu famoso tratado De Revolutiones Orbium ele afirma:
"Não me envergonho de sustentar que tudo que está debaixo da Lua, inclusive a própria Terra, descreve, com outros planetas, uma grande órbita em redor do Sol, que é o centro do mundo ... E sustento que é mais fácil admitir o que acabo de afirmar, do que deixar o espírito perturbado por uma quantidade quase infinita de círculos, coisa a que são forçados aqueles que retém a Terra fixa no centro do mundo."
Essa afirmação dele gerou uma das maiores crises entre a ciência e a religião, que perdura até hoje. Mas não somente o catolicismo, mas também vários reformadores, incluindo Lutero, condenaram a tese de Copérnico. Coube então a Galileu (1564-1633) reafirmar as teses do renomado polonês, expositadas em sua obra “Dialoghi sopra idue Massa-ni Sistemi dei Mondo Tolomaico”. Mas Galileu jamais pretendeu estabelecer conflito entre a ciência e a Bíblia, como bem afirmou:
 A Santa Escritura não pode jamais mentir, desde que, todavia, penetre-se seu verdadeiro sentido, o qual - não creio possível negá-lo - está muitas vezes escondido e muito diferente do que parece indicar a simples significação das palavras.
            Desejosos de depreciar os relatos bíblicos muitos cientistas apelam para o texto de Josué, onde ele afirma que o sol parou. Mas Josué apenas relato o que seus olhos podiam ver, o que nós até hoje continuamos a expressar: “o sol está nascendo” e não dizemos “a terra está nascendo”. A Bíblia jamais afirmou que a Terra era o centro do Universo. O grande astrônomo Kepler, ao fazer a apologia das palavras usadas pelo sucessor de Moisés, afirmou:
Nós dizemos com o povo: os planetas param, voltam ... o Sol nasce e põe-se, sobe para o meio do céu, etc. Falamos com o povo e exprimimos o que parece passar-se diante dos nossos olhos, posto que nada de tudo. isso seja verdadeiro. Entretanto, todos os astrônomos estão nisso de acordo. Devemos tanto menos exigir da Escritura sobre este ponto, quanto é certo que ela, se abandonasse a linguagem ordinária para tomar a da ciência e falar em termos obscuros, que não seriam compreendidos por aque¬les a quem ela quer instruir, confundiria os fiéis simples e não conseguiria o fim sublime a que se propõe.
A BÍBLIA E O CENTRO DO UNIVERSO
            Como explicar que milênio após milênio o Universo continua a funcionar com uma perfeição inexplicável! A conclusão bíblica é que Deus não apenas criou, mas continua a preservar esse Universo. Issac Newton, físico inglês, declara:
Esse Ser governa todas as coisas, não como a alma do mundo, mas como o Senhor de tudo; e, por causa de seu domínio, costuma-se chamá-lo de Senhor, Pantocrátor, ou Soberano Universal, pois Deus é uma palavra relativa e tem uma referência a servidores; e Deidade é o domínio de Deus, não sobre seu próprio corpo, como imaginam aqueles que supõem que Deus é a alma do mundo, mas sobre os serventes.
O apóstolo Paulo não tinha qualquer receio ou dúvida em afirmar em plena Atenas, o centro cultural da Grécia, de que “...sendo [Deus] Senhor do céu e da terra ...” (Atos 17.24.b), e escrevendo aos colossenses declara: “Há um só Deus e sobre todos domina, porque tudo provém dele”. O teólogo reformador João Calvino compreendia claramente que Deus exercia sua vontade soberana sobre toda a criação: "...que não somente criou o mundo, mas também o sustenta com seu poder e o dirige com sabedoria, o conserva com sua bondade, e sobretudo governa sobre o gênero humano com justiça e equidade, suportando-o com misericórdia, o defendendo com amparo..."
            Portanto, podemos descansar tranquilamente sobre as afirmações bíblicas em relação ao Universo e ao planeta Terra, pois em nenhum momento os registros bíblicos caem no pântano das lendas e mitos, mas suas informações podem serem constadas pelos princípios mais acurados da ciência humana.
A BÍBLIA E O MUNDO ANTIGO
O mundo antigo, ou mundo bíblico, compreende todos os povos antigos mencionados na Bíblia que habitavam a área banhada pelo Mediterrâneo (Grande Mar) e aquelas que ficam entre este, o Mar Negro (Euxino), Mar Cáspio (também chamado Mar Setentrional), Golfo Pérsico (ou Mar Meridional) e Mar Vermelho (denominado pelos romanos Mar Eritreu).
Considerando que o relato bíblico de ambos os Testamentos abrange a área desde Espanha, o ponto mais ocidental do programa de atividades missionárias do apóstolo Paulo, até Pérsia país mais oriental com que esteve relacionado o povo de Israel, e do Ponto, província mais setentrional da Ásia Menor, ao sul do Mar Negro, cujo povo esteve representado em Jerusalém no dia de Pentecostes (Atos 2.9), até o extremo sul da Arábia onde, provavelmente, ficava a lendária terra de Ofir, tantas vezes mencionada na Bíblia, podemos dizer que as expressões “o mundo antigo” e o “mundo bíblico” são praticamente sinônimas.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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Referências Bibliográficas
ABBAGNANO, Nicola (1901-1990). Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bossi; revisão da tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti, 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ADAMS, J. McKee. A Bíblia e as civilizações antigas. Rio de Janeiro: Dois Irmãos, 1962.
ANDRADE, Claudionor Corrêa de. Geografia bíblica. Rio de Janeiro: CPAD, 1987
KRESTSCHMER, K. História dela geografia. 3ªed. Barcelona: Editorial Labor, 1942
MORA, José Ferrater. Diccionario de filosofía (A-K), 5ª ed. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1964.
ROCHA, Genylton Odilon Rêgo da. Geografia clássica – uma contribuição para história da ciência geográfica. Presença - Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente, dez. nº 10, vol. I, 1997 (Universidade Federal de Rondônia). Disponível em: http://www.revistapresenca.unir.br/artigos_presenca/10genyltonodilonregodarocha_geografiaclassicaumacontribuicaoprahistoriadaciencia.pdf. Acesso em 04/08/2014.



[1] A cosmologia se ocupa do estudo do conjunto do mundo, de sua origem e de suas leis. As questões relativas a origem do mundo, se ele existe por sí ou se foi criado, são questões cosmológicas centrais. Ela é considerada uma disciplina cientifica, relacionada diretamente com a astronomia, a física e a matemática, porém distinta em principio delas. (MORA, 1964, p. 363) 

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