sexta-feira, 23 de setembro de 2016

ABRAÃO EM TRÊS TEMPOS: Cristianismo

Um personagem bíblico que extrapola as fronteiras, muitas vezes rígidas, das tradições religiosas é sem dúvida alguma Abraão. Ele se constitui em uma figura fundamental nas três maiores tradições religiosas monoteísta: judaísmo, islamismo e cristianismo. Mas até recentemente Abraão era, e talvez ainda seja, principalmente pelos cristãos/evangélicos brasileiros, um dos personagens mais ignorados da Bíblia, não recebendo os devidos créditos em decorrência de sua imensa contribuição para uma concepção totalmente renovadora de religião. Abraão é o ponto de partida “de tudo o que se refere à evolução da cultura e sensibilidade” (CAHILL, 1998, p. 247), em outras palavras – Abraão revolucionou o mundo – assim como o cristianismo séculos depois – alvoroçaria o mundo greco-romano (Atos 17.6).

Abraão no Cristianismo
            Durante seu ministério, no que concerne à sua mensagem do Reino de Deus, Jesus insere a figura de Abraão como parte integrante. Dentro de sua perspectiva Abraão representava um Reino universal e não exclusivista e/ou nacionalista que o judaísmo em seus dias havia produzido. Jesus declara: “Mas eu vos digo que muitos virão do oriente e do ocidente, e assentar-se-ão à mesa com Abraão, e Isaque, e Jacó, no reino dos céus; E os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de dentes” (Mt 8.11,12; cf. Lc 13.29).
            Posteriormente o apóstolo Paulo, que cita o patriarca em suas epístolas, preservadas no Novo Testamento, mais do que qualquer outra figura, exceto Cristo, ensina que todo aquele que crê em Jesus Cristo torna-se metaforicamente “filho de Abraão”, sem ter que pertencer à família biológica e mais ainda, sem ter que assumir toda cultura religiosa judaica:
Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé que teve Abraão, o qual é pai de todos nós, (Como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí) perante aquele no qual creu, a saber, Deus, o qual vivifica os mortos, e chama as coisas que não são como se já fossem (Rm 4.16,17).
            Foi por meio do chamado de Abraão que Deus estabelece um povo para si, o qual pela fé em Cristo, um descendente de Abraão, possibilita filiação indistintamente, rompendo totalmente qualquer segregação entre filhos e não filhos, judeus ou gentios. E Paulo continua sua argumentação afirmando que todo cristão faz parte do “corpo de Cristo” e uma vez que Cristo é geneticamente “filho de Abraão”, conclui o apóstolo, todos os cristãos são igualmente filhos de Abraão e herdeiros de suas promessas (Gl 3.16-17; 28-29; citando Gn 12.7; 17.7). Para o apóstolo dos gentios, a aliança estabelecida por Deus com Abraão antecede a renovação feita por meio de Moisés e a Lei – "a promessa feita a Abraão e seus descendentes ... não foi dada pela lei"; da mesma forma a fé de Abraão antecede o ato da circuncisão, que somente foi estabelecida muito tempo depois, o que interpreta Paulo de que os cristãos gentios não precisam se tornar circuncidado para se constituírem herdeiros de Abraão. Portanto, conclui o apóstolo Paulo, o batismo decorrente da fé em Jesus Cristo é suficiente para inserir todos nas promessas outorgadas à Abraão. Evidentemente que essa é uma argumentação especificamente cristã, entretanto compartilha dos argumentos universalistas judaico que ensinam que a genuína filiação de Abraão está vinculada à fé, não simplesmente pelo vínculo biológico.
            Ainda nos primórdios do cristianismo, uma interpretação gnóstica da figura paulina de Abraão tentou “espiritualizar” o patriarca, afirmando que ele não teve “pecado”. Mas Tiago em sua carta já contradizia essa fútil argumentação, afirmando que Abraão jamais desassociou sua fé das suas obras (2.14-26), pois qualquer afirmação de fé sem uma conciliação com as boas obras é falsa e anticristã. Abraão sempre será um modelo de todo aquele que crendo vivem conforme seu exemplo.
            Tendo em Abraão um tipo de crente, podemos afirmar que o judaísmo e o cristianismo, compartilham da mesma raiz, ainda que em um sentido estrito. Ambos surgem como resposta, ainda que com propostas distintas, para proporem a fé de Abraão como modelo a ser seguido:
Para o judaísmo, com uma proposta exclusivista, no esforço de manter sua identidade como nação escolhida por Deus, através de Abraão, pois Deus lhe deu promessas que se cumprem no tempo/espaço.
A proposta cristã é oposta, mesmo partindo da mesma experiência israelita, mas entendendo que a fé de Abraão se tornou inclusiva em Jesus Cristo, pois abrange todas as nações, povos e etnias sem qualquer distinção. Nesse sentido, todos os cristãos em todos os lugares e épocas, tornam-se em Cristo Jesus, igualmente filhos de Abraão, pois participam da mesma fé e das mesmas promessas, espirituais, que Deus aliançou com Abraão.


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


Artigos Relacionados
ABRAÃO EM TRÊS TEMPOS: Islamismo
ABRAÃO EM TRÊS TEMPOS: Judaísmo
PENTATEUCO - Introdução Geral
SÍNTESE BÍBLICA: Gênesis

Referência Bibliográfica

CAHILL, Thomas. The Gifts of the Jewa: how a tribe of desert nomads changed the way everyone thinks and feels. New York, Anchor Books and Doubleday. [The hinges of history: vol. 2].

Nenhum comentário:

Postar um comentário