quarta-feira, 20 de julho de 2016

APOCALIPSE - Comentário: Prefácio (1.1-3)

Revelação de Jesus Cristo
            Antes de qualquer outra coisa é preciso corrigir um grave erro no que concerne ao estudo deste precioso último livro bíblico. O assunto central do Apocalipse, bem como de toda a bíblia, é Jesus Cristo. Parece óbvio, todavia nestes últimos dias, e creio que em outras épocas também, estuda-se a Bíblia pela ótica antropocêntrica, como se o ser humano fosse o assunto principal. Aqui particularmente, pensa-se que a Igreja ou os Cristãos ou mesmo a Humanidade é o centro dos acontecimentos – não é. O começo, o meio e o fim da narrativa deste último livro são e sempre foi Jesus Cristo. E o autor deixa claro isto desde a primeira linha até a última.

Prólogo (1:1-3)
v.1 – A revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos o que deve acontecer em breve. Ele fez saber, enviando o seu anjo ao seu servo João,
A revelação de Jesus Cristo” - Apocalipse = Apocalupsis (grego),[1] é a revelação do plano de Deus para o mundo, especialmente a seus servos, a Igreja, por meio de Jesus Cristo. Ela nos mostra o que se passa nos bastidores, no céu. O texto grego pode dar a ideia de uma revelação da pessoa de Jesus Cristo,[2] mas no contexto descrito aqui Deus deu a revelação a ou por meio de Jesus para mostrar aos seus servos o que deve acontecer em breve (cf. 22.16).
O termo Apocalupsis (apocalipse/revelação) também é usado no Novo Testamento para se referir à Segunda Vinda, apontando para a remoção de tudo, que no tempo presente, impede a nossa visão do Cristo glorificado (1 Co 1.7; 2 Ts 1.7; 1 Pe 1.7, 13; 4.13), e Paulo declara que recebeu a revelação do evangelho do próprio Jesus Cristo, [já glorificado] (Gl 1.12). Apocalipse nos proporciona, como em nenhum outro lugar no NT, uma visão incomparável de Jesus Cristo em todo o Seu esplendor e glória celestial, que somente será contemplado, por toda humanidade, quando de Seu retorno glorioso.
que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos” - Este livro tem a reivindicação mais completa e explícita da autoria divina do que qualquer outro livro da Bíblia, portanto, se foi João, o apóstolo, que escreveu isto é de importância secundaria. O autor é Deus, Deus deu a Jesus, assim como ele dá a Jesus o livro mais tarde (cf. Ap 5.7). Foi escrito para seus servos, que são todos os cristãos em todas as épocas. A palavra grega para “servos” significa “escravos”. Servo é uma expressão comum para os cristãos em Apocalipse, (cf. Ap. 1.6; 2.20; 6.11; 7.3 e 7.15 – NIV). Servo, ou para servir é usado 19 vezes ao todo. O livro foi escrito para os servos de Deus, isto é, aos seus santos para lhes revelar o que deve acontecer em breve de modo que não devem ser pegos de surpresa pelos acontecimentos mundiais e/ou perseguições em que aparentemente os inimigos de Cristo e Seu Evangelho pareçam triunfarem. Em Ap 22.16 o próprio Cristo declara: “Eu, Jesus, enviei o meu anjo para dar a vocês este testemunho concernente às igrejas”, veja que está no plural. Finalmente, o último verso do livro diz: "A graça do Senhor Jesus seja com todos. Amém”. Outras expressões usadas como sinônimos de povo de Deus são irmãos e santos. Aqueles que servem a Deus na terra também irão servi-lo no céu (Ap 1.6; 5.10; 7.15; 22.3).
o que deve acontecer em breve” - "uma crise iminente", ou seja, “'as coisas que devem acontecer em breve". Comentaristas exegéticos entendem que a palavra grega para "em breve" (tachos), bem como sua repetição no final do livro (Ap 22.7, 12, 20) não significa 'rapidamente', mas significa 'logo', 'em breve', ou seja, 'o tempo está próximo"(v.3).[3] A ideia é de “promessa” e “espera”, de maneira que João faz a indicação de proximidade com o objetivo de consolar e confortar. Por outro lado, também está implícito nesta expressão a eminência da ação divina, que certamente se cumprira pois nada e ninguém pode impedi-la ou mesmo retardá-la. E por fim também traz a ideia de que esta ação divina pode acontecer de forma repentina e inesperada (cf. Ap 3.3; 16.15) e nos textos evangélicos (cf Mt 24.43). Esta visão do que deve acontecer em breve é pela perspectiva do céu, portanto, proporciona uma visão muito mais ampla sobre os acontecimentos que serão narrados no livro, uma vez que Deus, que é atemporal, vê todas as coisas como de fato serão, enquanto nós vemos apenas os instantâneos limitados pela nossa ótica temporal. No Apocalipse, como em todo NT, os cristãos são convidados e estimulados a viverem na expectativa da consumação final de todas as coisas, como se fossem acontecer hoje “Estai de sobreaviso, vigiai; porque não sabeis quando será o tempo” (Mc 13.33); mas aqueles que se deixam moldar por este mundo dizem “onde está a promessa da sua vinda?”, demonstrando sua incredulidade.
Ele fez saber, enviando o seu anjo ao seu servo João” – Deus é a origem desta Revelação, que a transmite a Jesus, de maneira que o anjo e João são os instrumentos de Jesus para que esta revelação chegue diretamente às comunidades cristãs e particularmente a cada cristão em todos os lugares e em todo o tempo.
É importante para uma compreensão correta do texto, entender o papel do anjo e de João. O escritor quer deixar bem claro que como na Antiga Dispensação (AT) os anjos estavam à serviço de Deus, agora na Nova Dispensação (NT) os anjos estão submetidos a Cristo (cf. 1.16; 4.9-10; 5.8; etc...) e são colocados como “companheiros de serviço” dos cristãos. João aqui e no transcorrer do livro é o receptor humano da revelação e por isso recebe a ordem de “escrever”, ou seja, de registrar as coisas que viu e ouviu (cf. 1.11,19; 14.13; 19.9; etc), de maneira que, João se identifica com os profetas do AT (cf. 19.10; 22.9). Assim, com o anjo e com João como portadores da mensagem temos a representação das duas fases da “revelação de Jesus Cristo”, a que ocorreu no AT por meio dos anjos e a que, a partir do NT, continua acontecendo por meio dos crentes e das igrejas. Cada vez que a comunidade cristã se reúne a “revelação de Jesus Cristo” acontece (cf. 1.10; 22.16).
A expressão "Ele fez saber”, no grego (semaino), traz a ideia de “manifestar por sinais”, o que no contexto bíblico significa comunicar uma mensagem por meio de símbolos e imagens. A mensagem recebida por João e que ele devera transmitir aos seus leitores será feita por meio de uma linguagem simbólica, de maneira que, para uma interpretação coerente desta mensagem deve se evitar um literalismo crasso.

 v.2 – o qual testemunhou a palavra de Deus e o testemunho de Jesus, conforme tudo o que viu,
 A tradução encontrada no Novo Testamento do Século Vinte preserva com clareza a ligação entre os termos gregos ‘testificou’ e ‘testemunho’: “o qual testificou da Mensagem de Deus, e do testemunho acerca de Jesus Cristo, não omitindo nada daquilo que viu”. Os dois termos têm a mesma raiz – martyr – e provavelmente o escritor as utiliza propositalmente, pois ‘testemunho’ pode significar ‘martírio’ e ‘testificou’ pode significar ‘tornar-se um mártir’. No contexto histórico do livro os cristãos eram martirizados justamente por que eram testemunhas de Jesus e testificavam de Seu Evangelho (6.9; 20.4), esta era também a razão pela qual João estava na ilha de Patmos (1.9).
conforme tudo que viu – a ideia aqui está em aposição com a palavra de Deus e o testemunho de Jesus. O testemunho de João é verdadeiro não somente em relação a este último livro, que fecha o cânon bíblico, mas em relação a toda revelação anterior registrada em cada página da bíblia (cf. João 21.24; Ap. 19.35; 22.8, 16, 20). É preciso lembrar também que quando João está escrevendo provavelmente seja o último dos apóstolos ainda vivo e que, portanto, ainda teria condições de fazer um testemunho ocular de Jesus. A veracidade deste testemunho de João é fundamental uma vez que todos os crentes devem estar preparados para morrer por sua fé em Jesus.

 v.3 – Bem-aventurado aquele que lê as palavras desta profecia, e bem-aventurados são aqueles que ouvem e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está próximo”.  
Bem-aventurado” esta é a primeira da série de sete bem-aventuranças contidas neste livro. O fato de serem sete significa que se trata de uma alegria perfeita e/ou completa. O que lê está no singular e os que ouvem no plural porque a mensagem deveria ser lida por um dos membros de maneira que toda congregação pudesse ouvir, o que era uma prática comum na igreja primitiva (Cl 4.16; 1Ts 5.27), por pelo menos duas razões: a dificuldade de se fazer cópias da mensagem e pelo fato de a grande maioria dos cristãos eram analfabetos.
“as profecias deste livro” – a mensagem contida no livro não é apenas uma revelação, mas também uma profecia, o que a coloca no mesmo contexto das profecias do AT e seus portadores no mesmo nível dos antigos profetas de Deus. A mensagem profética permeia todo o livro e não apenas parte dele (cf. 22.7; 22.18), impedindo que o livro seja retalhado ao bel prazer de seus estudantes. Também não se trata de adivinhações especulativas oriundas da curiosidade do que se vai acontecer no futuro. A proposta desta profecia não é que adentremos ao mundo celestial em busca de seus segredos, mas justamente o contrário, é Deus que, por meio de Jesus, adentra o nosso mundo, a nossa história e se faz conhecer por meio de Sua mensagem, contida na Palavra e pela ação iluminadora do Espírito Santo (cf Jo 14.26; 16.13; Ap 1.10; 4.2, também chamado de Espírito da Profecia Ap 19.10).
“e guardam as coisas que nela estão escritas” – o verbo grego utilizado aqui é o mesmo utilizado em todo o NT para se “guardar” a Lei, os Mandamentos, e particularmente nos demais escritos joaninos. Não é suficiente ouvir é necessário que a mensagem seja crida e vivenciada (cf Lc 11.28); e somente estes que “guardam” é que experimentarão da superabundante felicidade mencionada antes.
“pois o tempo está próximo” – O “próximo” retoma a ideia anterior do “breve” (1.1). Com a sua primeira vinda Cristo introduziu na nossa história uma nova modalidade de tempo, pois com Ele entramos na “plenitude do tempo” (Gl 4.4); o nosso tempo perdeu o centro de gravidade depois que em Cristo “chegou o fim dos tempos” (1Co 10.11); vivemos no intervalo entre a primeira vinda e a segunda vinda que é o “dia de Jesus Cristo” (Fp 1.6,10; 2.16) que é iminente. Nesta frase está incluído também um alerta de vigilância, um incentivo ao encorajamento e consolo, que permeia toda a mensagem do Apocalipse e se estende a todas as gerações da igreja e não apenas para os primeiros leitores, o que fica atestado pelas perseguições que os cristãos sofreram e continuam sofrendo por causa de sua fé em Cristo.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas
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ALVARENGA, Willie. Comentario del libro de Apocalipsis. Bedford: 2007.
ASHCRAFT, Morris. Comentário Bíblico Broadman, v.12, ed. JUERP, 3ª ed., 1983.
BEATO DE LIÉBANA. Comentarios al Apocalipsis de San Juan. Traducción de A. del Campo Hernández y J. González Echegaray. Villanueva de Villaescusa (Cantabria): Ediciones Valnera, 2006. [Dibujos y óleos de José Ramón Sánchez].
CARRILLO, Miguel Rosell. Apocalipsis: La Revelación para estos días finales. www.centrorey.org, 2009.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado, v. 6, ed Milenium, São Paulo, 1988.
CLARKE, Adam, The New Testamento of Our Lord and Saviour Jesus Christ. Nova York: Abingdon-Cokesbury Press, vol. II, s. d.
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DOUGLAS J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2001.
HENDRIKSEN, William. Mais Que Vendedores - Interpretação do livro do Apocalipse. São Paulo:  ed. CEP, 1987.
LAYMON, Charles M. The Book of Revelacion. Nova York: Abingdon Press, 1960.
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McDOWELL, Edward A. O Apocalipse – Sua Mensagem e Significação. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1960.
TRUMAN, Cliff. Comentario a Apocalipsis. Editorial: N/S

SUMMERS Ray. A Mensagem do Apocalipse. Rio de Janeiro: Ed. JUERP, 1980.



[1] Apocalipse é também conhecido como um tipo de literatura chamada apocalíptica e que foi desenvolvida pelo judaísmo do período interbíblico [entre Malaquias e Mateus]. Ainda que haja algumas semelhanças, também são evidentes muitas distinções entre o Apocalipse e aquelas literaturas apocalíptica. Uma das mais significativas destas distinções é o fato de que o autor neotestamentário este totalmente contextualizado no AT, de onde tira todas as suas referências e à luz das novas revelações interpreta todo o contexto profético veterotestamentário pela ótica Cristológica. Entretanto, em nenhum momento o autor do Apocalipse faz qualquer referência ou alusão a qualquer texto da literatura apocalíptica judaica. A única afinidade explicita entre eles é a utilização da linguagem apocalíptica. Assim Ladd conclui: “Isto confirma a afirmação de que o Apocalipse não é, como muitos têm dito, simplesmente um escrito apocalíptico judeu ‘batizado’ na igreja cristã” (LADD, 2008, p. 19). 
[2] Corsini defende esta interpretação para fundamentar todo o seu comentário do livro: ”Com efeito, se o livro trata de coisas reveladas por Cristo a João, o caráter ‘profético’ desse cumprimento, no sentido de algo voltado para o futuro, torna-se automático. Mas se ‘revelação de Jesus Cristo’ quer dizer, como sustentamos, a revelação do próprio Jesus através da histórica, compreendida como história da salvação, seu cumprimento coloca-se num outro plano, e significa simplesmente que o plano salvífico de Deus foi atuado, realizado” (CORSINI, 1984, p. 80).
[3] Mas a dificuldade aqui neste versículo não é maior do que em muitas outras partes. Paulo disse: ‘Perto está o Senhor’ (Fp 4.5). Pedro declarou: ‘Está próximo o fim de todas as coisas’ (1Pe 4.7). Tiago afirmou: ‘A vinda do Senhor está próxima’ (Tg 5.8). A explicação está na iminência dos eventos, isso é, são eventos que se realizarão a qualquer momento. O tempo destes acontecimentos já estão determinados, mas são sabemos quando, mas não se atrasara um segundo se quer, pois não dependem em nada do ser humano ou de qualquer outra coisa, a não ser da vontade de Deus.

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