Revelação de Jesus Cristo
Antes de qualquer outra coisa é
preciso corrigir um grave erro no que concerne ao estudo deste precioso último
livro bíblico. O assunto central do Apocalipse, bem como de toda a bíblia, é
Jesus Cristo. Parece óbvio, todavia nestes últimos dias, e creio que em outras
épocas também, estuda-se a Bíblia pela ótica antropocêntrica, como se o ser
humano fosse o assunto principal. Aqui particularmente, pensa-se que a Igreja
ou os Cristãos ou mesmo a Humanidade é o centro dos acontecimentos – não é. O
começo, o meio e o fim da narrativa deste último livro são e sempre foi Jesus
Cristo. E o autor deixa claro isto desde a primeira linha até a última.
Prólogo (1:1-3)
v.1 – A revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para
mostrar aos seus servos o que deve acontecer em breve. Ele fez saber, enviando
o seu anjo ao seu servo João,
“A revelação de Jesus Cristo” - Apocalipse = Apocalupsis (grego),[1] é
a revelação do plano de Deus para o mundo, especialmente a seus servos, a
Igreja, por meio de Jesus Cristo. Ela nos mostra o que se passa nos bastidores,
no céu. O texto grego pode dar a ideia de uma revelação da pessoa de Jesus
Cristo,[2] mas
no contexto descrito aqui Deus deu a revelação a ou por meio de Jesus para
mostrar aos seus servos o que deve acontecer em breve (cf. 22.16).
O termo Apocalupsis
(apocalipse/revelação) também é usado no Novo Testamento para se referir à
Segunda Vinda, apontando para a remoção de tudo, que no tempo presente, impede
a nossa visão do Cristo glorificado (1 Co 1.7; 2 Ts 1.7; 1 Pe 1.7, 13; 4.13), e
Paulo declara que recebeu a revelação do evangelho do próprio Jesus Cristo, [já
glorificado] (Gl 1.12). Apocalipse nos proporciona, como em nenhum outro lugar
no NT, uma visão incomparável de Jesus Cristo em todo o Seu esplendor e glória
celestial, que somente será contemplado, por toda humanidade, quando de Seu retorno
glorioso.
“que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos” - Este livro tem a
reivindicação mais completa e explícita da autoria divina do que qualquer outro
livro da Bíblia, portanto, se foi João, o apóstolo, que escreveu isto é de
importância secundaria. O autor é Deus, Deus deu a Jesus, assim como ele dá a
Jesus o livro mais tarde (cf. Ap 5.7). Foi escrito para seus servos, que são
todos os cristãos em todas as épocas. A palavra grega para “servos” significa “escravos”. Servo é uma expressão comum para os cristãos em
Apocalipse, (cf. Ap. 1.6; 2.20; 6.11; 7.3 e 7.15 – NIV). Servo, ou para servir
é usado 19 vezes ao todo. O livro foi escrito para os servos de Deus, isto é,
aos seus santos para lhes revelar o que deve acontecer em breve de modo que não
devem ser pegos de surpresa pelos acontecimentos mundiais e/ou perseguições em
que aparentemente os inimigos de Cristo e Seu Evangelho pareçam triunfarem. Em
Ap 22.16 o próprio Cristo declara: “Eu,
Jesus, enviei o meu anjo para dar a vocês este testemunho concernente às
igrejas”, veja que está no plural. Finalmente, o último verso do livro diz:
"A graça do Senhor Jesus seja com
todos. Amém”. Outras expressões usadas como sinônimos de povo de Deus são irmãos e santos. Aqueles que servem a Deus na terra também irão servi-lo no
céu (Ap 1.6; 5.10; 7.15; 22.3).
“o que deve acontecer em breve” - "uma crise iminente", ou seja, “'as coisas que devem acontecer em breve". Comentaristas
exegéticos entendem que a palavra grega para "em breve" (tachos), bem como sua repetição no final do livro
(Ap 22.7, 12, 20) não significa 'rapidamente',
mas significa 'logo', 'em breve', ou seja, 'o tempo está próximo"(v.3).[3] A
ideia é de “promessa” e “espera”, de maneira que João faz a
indicação de proximidade com o objetivo de consolar e confortar. Por outro
lado, também está implícito nesta expressão a eminência da ação divina, que
certamente se cumprira pois nada e ninguém pode impedi-la ou mesmo retardá-la.
E por fim também traz a ideia de que esta ação divina pode acontecer de forma
repentina e inesperada (cf. Ap 3.3; 16.15) e nos textos evangélicos (cf Mt
24.43). Esta visão do que deve acontecer em breve é pela perspectiva do céu,
portanto, proporciona uma visão muito mais ampla sobre os acontecimentos que
serão narrados no livro, uma vez que Deus, que é atemporal, vê todas as coisas
como de fato serão, enquanto nós vemos apenas os instantâneos limitados pela
nossa ótica temporal. No Apocalipse, como em todo NT, os cristãos são
convidados e estimulados a viverem na expectativa da consumação final de todas
as coisas, como se fossem acontecer hoje “Estai
de sobreaviso, vigiai; porque não sabeis quando será o tempo” (Mc 13.33);
mas aqueles que se deixam moldar por este mundo dizem “onde está a promessa da
sua vinda?”, demonstrando sua incredulidade.
“Ele fez saber, enviando o seu anjo ao seu servo João” – Deus é a
origem desta Revelação, que a transmite a Jesus, de maneira que o anjo e João
são os instrumentos de Jesus para que esta revelação chegue diretamente às
comunidades cristãs e particularmente a cada cristão em todos os lugares e em
todo o tempo.
É importante para uma
compreensão correta do texto, entender o papel do anjo e de João. O escritor
quer deixar bem claro que como na Antiga Dispensação (AT) os anjos estavam à
serviço de Deus, agora na Nova Dispensação (NT) os anjos estão submetidos a
Cristo (cf. 1.16; 4.9-10; 5.8; etc...) e são colocados como “companheiros de serviço” dos cristãos. João
aqui e no transcorrer do livro é o receptor humano da revelação e por isso
recebe a ordem de “escrever”, ou
seja, de registrar as coisas que viu e ouviu (cf. 1.11,19; 14.13; 19.9; etc),
de maneira que, João se identifica com os profetas
do AT (cf. 19.10; 22.9). Assim, com o anjo e com João como portadores da
mensagem temos a representação das duas
fases da “revelação de Jesus Cristo”,
a que ocorreu no AT por meio dos anjos e a que, a partir do NT, continua acontecendo por meio dos crentes e das igrejas. Cada vez que a comunidade cristã se reúne a “revelação de Jesus Cristo” acontece (cf.
1.10; 22.16).
A expressão "Ele fez saber”, no grego (semaino), traz
a ideia de “manifestar por sinais”, o
que no contexto bíblico significa comunicar uma mensagem por meio de símbolos e imagens. A mensagem recebida por João e que ele devera transmitir
aos seus leitores será feita por meio de uma linguagem simbólica, de maneira
que, para uma interpretação coerente desta mensagem deve se evitar um
literalismo crasso.
v.2 – o
qual testemunhou a palavra de Deus e o testemunho de Jesus, conforme tudo o que
viu,
A tradução encontrada no Novo Testamento do
Século Vinte preserva com clareza a ligação entre os termos gregos ‘testificou’ e ‘testemunho’: “o qual
testificou da Mensagem de Deus, e do testemunho acerca de Jesus Cristo, não
omitindo nada daquilo que viu”. Os dois termos têm a mesma raiz – martyr – e provavelmente o escritor as
utiliza propositalmente, pois ‘testemunho’
pode significar ‘martírio’ e ‘testificou’ pode significar ‘tornar-se um mártir’. No contexto
histórico do livro os cristãos eram martirizados justamente por que eram
testemunhas de Jesus e testificavam de Seu Evangelho (6.9; 20.4), esta era
também a razão pela qual João estava na ilha de Patmos (1.9).
conforme tudo que viu
– a ideia aqui está em aposição com a palavra de Deus e o testemunho de Jesus.
O testemunho de João é verdadeiro não somente em relação a este último livro,
que fecha o cânon bíblico, mas em relação a toda revelação anterior registrada
em cada página da bíblia (cf. João 21.24; Ap. 19.35; 22.8, 16, 20). É preciso
lembrar também que quando João está escrevendo provavelmente seja o último dos apóstolos ainda vivo e que, portanto,
ainda teria condições de fazer um testemunho
ocular de Jesus. A veracidade deste testemunho de João é fundamental uma
vez que todos os crentes devem estar preparados para morrer por sua fé em
Jesus.
v.3 –
Bem-aventurado aquele que lê as palavras desta profecia, e bem-aventurados são
aqueles que ouvem e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está
próximo”.
“Bem-aventurado” esta é a primeira
da série de sete bem-aventuranças
contidas neste livro. O fato de serem sete
significa que se trata de uma alegria
perfeita e/ou completa. O que lê está
no singular e os que ouvem no plural porque a mensagem deveria ser
lida por um dos membros de maneira que toda congregação pudesse ouvir, o que
era uma prática comum na igreja primitiva (Cl 4.16; 1Ts 5.27), por pelo menos duas razões: a dificuldade de se fazer
cópias da mensagem e pelo fato de a grande maioria dos cristãos eram
analfabetos.
“as profecias deste livro” – a mensagem contida no livro não é apenas uma revelação, mas também uma profecia, o que a coloca no mesmo
contexto das profecias do AT e seus
portadores no mesmo nível dos antigos profetas
de Deus. A mensagem profética permeia
todo o livro e não apenas parte dele (cf. 22.7; 22.18), impedindo que o livro
seja retalhado ao bel prazer de seus estudantes. Também não se trata de adivinhações especulativas oriundas da curiosidade do que se vai acontecer no
futuro. A proposta desta profecia não é que adentremos ao mundo celestial em
busca de seus segredos, mas justamente o contrário, é Deus que, por meio de
Jesus, adentra o nosso mundo, a nossa história e se faz conhecer por meio de
Sua mensagem, contida na Palavra e pela ação iluminadora do Espírito Santo (cf Jo 14.26; 16.13; Ap
1.10; 4.2, também chamado de Espírito da
Profecia Ap 19.10).
“e guardam as coisas que nela estão escritas” – o verbo grego utilizado aqui é o mesmo utilizado em todo
o NT para se “guardar” a Lei, os
Mandamentos, e particularmente nos demais escritos joaninos. Não é suficiente ouvir é necessário que a mensagem seja crida e vivenciada (cf Lc 11.28); e somente estes que “guardam” é que experimentarão da superabundante felicidade
mencionada antes.
“pois o tempo está próximo” – O “próximo” retoma a ideia anterior do “breve” (1.1).
Com a sua primeira vinda Cristo introduziu na nossa história uma nova
modalidade de tempo, pois com Ele entramos na “plenitude do tempo” (Gl 4.4); o nosso tempo perdeu o centro de
gravidade depois que em Cristo “chegou o
fim dos tempos” (1Co 10.11); vivemos no intervalo
entre a primeira vinda e a segunda vinda que é o “dia de Jesus Cristo” (Fp 1.6,10; 2.16)
que é iminente. Nesta frase está incluído também um alerta de vigilância, um incentivo ao encorajamento e consolo, que permeia toda a mensagem do Apocalipse e se estende a
todas as gerações da igreja e não apenas para os primeiros leitores, o que fica
atestado pelas perseguições que os cristãos sofreram e continuam sofrendo por
causa de sua fé em Cristo.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências
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SUMMERS
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[1] Apocalipse é também conhecido como um
tipo de literatura chamada apocalíptica e que foi desenvolvida pelo judaísmo do
período interbíblico [entre Malaquias e Mateus]. Ainda que haja algumas semelhanças,
também são evidentes muitas distinções entre o Apocalipse e aquelas literaturas
apocalíptica. Uma das mais significativas destas distinções é o fato de que o
autor neotestamentário este totalmente contextualizado no AT, de onde tira
todas as suas referências e à luz das novas revelações interpreta todo o
contexto profético veterotestamentário pela ótica Cristológica. Entretanto, em
nenhum momento o autor do Apocalipse faz qualquer referência ou alusão a
qualquer texto da literatura apocalíptica judaica. A única afinidade explicita
entre eles é a utilização da linguagem apocalíptica. Assim Ladd conclui: “Isto
confirma a afirmação de que o Apocalipse não é, como muitos têm dito,
simplesmente um escrito apocalíptico judeu ‘batizado’ na igreja cristã” (LADD, 2008,
p. 19).
[2] Corsini defende esta interpretação para
fundamentar todo o seu comentário do livro: ”Com efeito, se o livro trata de
coisas reveladas por Cristo a João, o caráter ‘profético’ desse cumprimento, no
sentido de algo voltado para o futuro, torna-se automático. Mas se ‘revelação
de Jesus Cristo’ quer dizer, como sustentamos, a revelação do próprio Jesus através
da histórica, compreendida como história da salvação, seu cumprimento coloca-se
num outro plano, e significa simplesmente que o plano salvífico de Deus foi
atuado, realizado” (CORSINI, 1984, p. 80).
[3] Mas a dificuldade aqui neste versículo
não é maior do que em muitas outras partes. Paulo disse: ‘Perto está o Senhor’ (Fp 4.5). Pedro declarou: ‘Está próximo o fim de todas as coisas’
(1Pe 4.7). Tiago afirmou: ‘A vinda do
Senhor está próxima’ (Tg 5.8). A explicação está na iminência dos eventos,
isso é, são eventos que se realizarão a qualquer momento. O tempo destes
acontecimentos já estão determinados, mas são sabemos quando, mas não se
atrasara um segundo se quer, pois não dependem em nada do ser humano ou de
qualquer outra coisa, a não ser da vontade de Deus.
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