segunda-feira, 25 de julho de 2016

A T O S - Objetivo do Autor

Perseguir o propósito do autor é um desafio a que todo estudante de texto, incluindo a Bíblia precisa perseverar. A recompensa é que uma vez descoberto, haveremos de compreender e aplicar muito melhor sua mensagem.
Espera-se de toda obra séria que tenha um propósito. Os escritores bíblicos não escreveram aleatoriamente e o Inspirador deles não perderia tempo em comunicar uma mensagem desprovida de objetivo. Deste modo, os estudiosos têm se debruçado ao longo destes séculos para encontrarem o propósito de Lucas ao escrever – Atos - seu segundo volume. Vejamos alguns destes esforços:
a) Com base no título Atos dos Apóstolos” muitos tem deduzido que o escritor pretendia registrar as ações daquele primeiro grupo apostólico. Entretanto, ao examinar-se o conteúdo do livro fica nítido que Lucas não tinha a intenção de acompanhar o desempenho especifico do grupo apostólico. Ainda que em várias ocasiões faça citações deles de forma coletiva, apenas alguns são mencionados pessoalmente (Tiago, João dos demais nada ficamos sabemos) e se destacam num primeiro momento a figura de Pedro e na metade final a pessoa e ações de Paulo. Mesmo nestes dois casos as suas histórias são interrompidas em momentos cruciais, revelando que o foco de Lucas não é a vida dos apóstolos.
b) Muitos estudiosos se empolgaram com certa abundância de referências que Lucas faz da pessoa do Espírito Santo. E olhando pelo número de citações à terceira Pessoa da Trindade realmente há uma certa lógica. Todavia, falta um Sitz im Leben (uma condição de vida) para que Lucas se dispusesse a escrever uma obra sobre o Espírito Santo. O Pentecostes havia ocorrido em seus dias, de modo que nem os primeiros cristãos ou seus opositores estavam levantando qualquer dúvida ou questionamento sobre a pessoa e obra do Espírito e sendo assim Lucas não estaria respondendo a qualquer anseio premente de seus leitores primários, o que seria no mínimo um grande equívoco dele. Fica mais evidente que o Espírito não era o foco principal de Atos, quando comparamos a forma com que Lucas apresenta Jesus em seu primeiro volume (evangelho). Ainda que na primeira parte o Espírito seja mencionado em vários momentos da narrativa, depois de 21.11 ele volta a ser mencionado apenas em 28.25, perfazendo um hiato de oito capítulos onde Lucas não faz uma referência ao Espírito, o que contrariaria todo o objetivo do livro se fosse esse o caso – mas não é. Evidentemente não se quer com isso minimizar a extraordinária obra do Espírito Santo, pois nada do que acontecesse em cada página de Atos (e de todos os livros da Bíblia) ocorrem sem a participação efetiva da terceira Pessoa da Trindade. Os diversos movimentos carismáticos e dispensacionalistas sempre incentivaram a se ver um “ministério distinto” do Espírito, mas nem Lucas em Atos ou qualquer outro livro neotestamentário nos autoriza a separar o que a Trindade uniu. O Espírito vem para dar continuidade à obra iniciada e realizada por Cristo na cruz. E ainda que somássemos tudo que Lucas registra em Atos sobre o Espírito, ela seria uma porção mínima da Obra portentosa realizado pelo Espírito Santo na História da Igreja.
c) Como já citei em artigo anterior, os mentores da chamada Escola de Tubingen (Baur) propuseram que Lucas tinha como objetivo reconciliar ou ao menos apaziguar os conflitos existentes entre os expoentes de Pedro, judeus convertidos, e os de Paulo, gentios convertidos. Para isto lançam a data do livro o mais longe possível (98-138 d.C.). Hoje são poucos os que se quer mantêm esta preposição como uma possibilidade. Os debates que ocorrem em Atos são protagonizados inicialmente pelos grupos judaizantes e helenistas e os mediadores foram os próprios apóstolos que resolveram elegendo os diáconos. Depois temos o registro do grande Concílio de Jerusalém e as figuras centrais são Tiago e Paulo envolvendo a questão da inclusão dos gentios e que foi resolvida pela decisão da Assembleia a favor da tese de Paulo e Barnabé.
d) Outra proposta praticamente abandonada, e que depende totalmente de uma data muito avançada, é de que o autor escreve para combater as ideias heréticas de Marcião, que negava os escritos que considerava “judaicos” e estabeleceu o primeiro cânon neotestamentário onde continha apenas o evangelho de Lucas e as cartas paulinas. Assim, os cristãos “ortodoxos” criaram Atos, escrito por Lucas, onde Paulo aparentemente fica subordinado aos doze, inviabilizando a tese maior de Marcião. É totalmente descabida e desnecessária tais conjecturas. Exercícios acadêmicos inócuos e estéreis de qualquer contribuição séria e benéfica para os estudantes das Escrituras. Estão muito mais próximos das heresias de Marcião do que das verdades bíblicas.
e) Um propósito muito interessante é que Lucas deseja demonstrar o triunfo do cristianismo em relação ao judaísmo. O fato de que os judeus tinham, e continua tendo, um nacionalismo exacerbado fez com que tentassem fazer do cristianismo mais uma seita do já diversificado judaísmo. Para eles era até admissível que os gentios adentrassem ao cristianismo, mas desde que subordinados às leis cerimoniais judaicas. Todos os relatos de conversam iniciais são pessoas ligadas diretamente ao judaísmo: Estevão e Felipe são judeus helenistas, Cornélio e o etíope são prosélitos do judaísmo. Somente após a viagem missionária de Paulo e a convocação do grande concílio de Jerusalém é que os gentios foram recebidos em pé de igualdade com os judeus. Mas a ruptura definitiva veio quando os próprios judeus começaram a abandonar os ritos e cerimoniais do judaísmo. Isto foi um golpe duro demais para o espírito particularista e isolacionista que havia moldado o pensamento judaico, principalmente após o exílio babilônico e seu retorno nos dias de Esdras (458 a.C.) e Neemias (444 a.C.). “Em sua obra de dois volumes – Lucas-Atos – Lucas nos traça o seu desenvolvimento. Quando escreveu, o Cristianismo já estava ganhando o mundo gentílico, e os judeus já se sentiam assoberbados com as conclusões do Cristianismo, do qual por fim se viram obrigados a afastar. No seu Evangelho, Lucas mostrou que o caráter de que se achava revestido o movimento cristão provinha do próprio Jesus; não se tratava de forma alguma duma perversão efetuada por Paulo ou por qualquer outro apóstolo. Jesus jamais tivera em mente um movimento que se expandisse apenas dentro do judaísmo nacionalista. Visava, sim, a uma nova humanidade que abarcaria judeus e gentios. Nos Atos, Lucas nos mostra a expansão desse intento de Jesus, e nos fala do seu glorioso triunfo na nclusão do gentio e da lament[áveltragédia que culminou na auto-exclusão do judeu”.
Conclusão
Além destas, há várias outras tentativas de se definir o propósito principal de Lucas ao escrever seu segundo volume. Entretanto, não podemos perder de vista que Lucas escreve uma história, ou seja, seu esforço é de informar seus leitores acerca dos diversos acontecimentos que já haviam ocorrido. Seu contato com as mais diversas testemunhas oculares destes fatos, bem como seu contato com as comunidades iniciais de Jerusalém e Antioquia devem tê-lo empolgado e motivado a organizar este precioso material de Atos.
Assim, é preciso vermos em seu trabalho ao menos dois significados gerais: o significado destes eventos naquele tempo e contexto, e a repercussão destes eventos nos seus próprios dias.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br//


Artigos Relacionados



Nenhum comentário:

Postar um comentário