terça-feira, 4 de janeiro de 2022

LEWIS, C.S. – A abolição do homem

 (…) para cada aluno que precisa ser resguardado de um leve excesso de sensibilidade, existem três que precisam ser despertados do sono da fria vulgaridade. O dever do educador moderno não é o de derrubar florestas, mas o de irrigar desertos.

            Seu nome completo é Clive Staples Lewis (1898-1963) e sem medo de errar pode-se dizer que foi uma das mentes mais brilhantes da vira do século dezenove para o século vinte. Ele morreu há 59 anos, todavia sua literatura está mais viva do que nunca (Cartas de um diabo a seu aprendiz, Cristianismo puro e simples, Quatro amores e as Crônicas de Nárnia) são exemplos de uma boa, saudável e inteligente literatura.

Seus temas foram e continuam sendo discutidos, pois fazem parte da nossa vida cotidiana. Todavia, os brasileiros de forma geral e os evangélicos de modo particular, em sua grande maioria, desconhecem as literaturas por ele produzidas, prova contundente da miopia predominante na cultura brasileira e mais especificamente na cultura evangélica.

                        Sua obra aqui mencionada “A Abolição do Homem” desde seu lançamento editorial até hoje continua produzindo convulsões nas mentes de forma geral. O livro é resultante de uma série de palestras ministradas durante a Segunda Guerra Mundial. Ele defende de forma muito clara e sem subterfúgios o senso moral absoluto que é composto pelo arcabouço de valores universais, tais como o altruísmo, a caridade e o amor, que se constitui no fundamento das sociedades humanas. A destruição deste fundamento é a razão pela qual as sociedades desmoronam e o ser humano se descaracteriza a ponto de assemelhar-se cada vez mais ao animalesco irracional.

            Este é o livro mais acadêmico filosófico da biblioteca produzida por Lewis, de maneira que para aqueles leitores acostumados com suas outras literaturas pode parecer mais difícil de ser compreendido. Todavia, apesar dele pessoalmente discordar o livro foi bem recebido pelos leitores de forma geral, assim como pelos críticos da época. Em sua primeira edição (1943) o livro esgotou as vendas em pouco tempo e nos dez meses seguintes foram necessárias outras três edições. As criticas foram bastante positivas “um livro muito instigante [que] merece atenção e estudo” declarou alguém que havia lido e analisado o texto. Mas mais do que na época o livro foi alcançando uma reputação e se revestindo das características de um clássico genuíno e seminal. O público leitor é amplo: filósofos, educadores, críticos literários, historiadores, juristas, ateus, agnósticos, evangélicos e ainda nos dias atuais é considerada uma de suas obras mais relevantes. O filósofo ateu John Gray descreve o livro como “presciente, profético” e “tão relevante agora” como quando foi lançado, e continua ele, “se não mais ainda” (apud, WARD, 2021, p. 11).

            Os alerta que Lewis faz em seu livro podem ser claramente observados nos dias atuais, onde uma campanha mediática incessante tem invadido a mente das novas gerações, desde as mais tenras idades, corroendo os fundamentos morais e degradando os valores universais. O desafio lançado por Lewis continua sendo valido hoje: resistir a estas ações ideológicas nefastas que tem permeado a sociedade contemporânea e que infelizmente tem prevalecido em muitos redutos evangélicos.

            Somos incentivados por ele a estarmos vigilantes em relação às ideologias relativistas que tem sido encucado nas mentes juvenis, e aquelas mais simplórias, os primeiros no próprio ambiente escolar e os demais no ambiente das mídias sociais, de que qualquer lei natural, verdade objetiva, qualquer essência moral (religiosa), tudo isso não passa de pura balela. O resultado disso é que o ambiente escolar torna-se espaço de marketing ideológico, o professor torna-se um ativista, os pais e os diretores tornam-se cínicos quanto à realidade dos fatos e os alunos tornam-se apenas objetos a serem manipulados, destituídos de senso crítico e perspectivas positivas, pois os pontos cardeais lhes foram furtados.

            Na terceira e última parte Lewis já alertava para o perigo do avanço tecnológico que já estava começando a cercear a liberdade pessoal. A tecnologia é o instrumental para que haja domínio de alguns sobre muitos, de maneira que um seleto grupo de pessoas haveria de ter poder para moldar a sociedade de acordo com suas concepções de mundo. As pessoas uma vez arrancadas de suas bases morais perderam sua identidade humana tornando-se matéria-prima a ser manipulada à vontade por mestres e senhores. Desta forma, o livro está plenamente sintonizado com as problemáticas do século XXI, e a sua leitura nos habilita a fazermos um diagnóstico da sociedade atual e identificarmos suas falhas.

            Nestes dias em que vivemos um cientificismo construído à base do poder econômico especifico de poucos e manipulado artificialmente por um conglomerado mediático, e usando a linguagem do autor, desumanizado, a leitura desta pequena obra de Lewis é de premente urgência.   

            Abaixo transcrevo pequenos trechos da obra para despertar aguçar o apetite dos que ficaram desejos de lerem essa pequena, mas inquietante, obra literária de Lewis:

“O ceticismo em relação aos valores é apenas superficial, sendo válido apenas para valores alheios; eles não são muito céticos em relação aos valores correntes em seus próprios meios. E esse fenômeno é bastante comum. Muitos dos que ‘desmascaram’ os valores tradicionais ou (como eles dizem) ‘sentimentais’ têm no fundo valores próprios , que crêem imunes a desmascaramentos semelhantes. Alegam estar cortando pela raiz o crescimento parasitário da emoção, da autoridade religiosa, de tabus herdados, para que os valores ‘verdadeiros’ ou ‘autênticos’ possam emergir”. P.  27.

“Eu preferiria jogar cartas contra um homem que fosse inteiramente cético em relação à ética, mas que tivesse sido criado para acreditar que ‘um cavalheiro não trapaceia’, do que contra um irrepreensível filósofo moral que tenha crescido entre vigaristas”. P.22.

“Produzimos homens sem peito e esperamos deles virtude e iniciativa. Caçoamos da honra e nos chocamos ao encontrar traidores entre nós. Castramos e ordenamos que os castrados sejam férteis”. P.24.

“O dever do educador moderno não é o de derrubar florestas, mas o de irrigar desertos. A defesa adequada contra sentimentos falsos é inculcar os sentimentos corretos. Ao sufocar a sensibilidade dos nossos alunos, apenas conseguiremos transformá-los em presas mais fáceis para o ataque propagandista. Pois a natureza agredida há de se vingar, e um coração duro não é uma proteção infalível contra um miolo mole”. P.12.

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

 

Referências Bibliográficas (utilizado no artigo)

LEWIS, C. S. A abolição do homem. Tradução Gabriele Greggersen 1ª ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.

WARD, Michael. After Humanity – a guide to C.S. Lewis’s The Abolition of Man. Park Ridge, IL: Word on Fire Academic, 2021. 

Referências Bibliográficas
LEWIS, C. S. Cartas de um diabo a seu aprendiz. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
DURIEZ, Colin. The A of Z C. S. Lewis - an encyclopedia of his life, thought and writings. Oxford, England: Published by Lion Books, 2013.
_____________. J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis: O dom da Amizade. Tradução Ronald Kyrmse. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2018.
MCGRATH, Alister. A vida de C. S. Lewis - do ateísmo às terras de Nárnia. Tradução Almiro Pisetta. São Paulo-Lisboa: Mundo Cristão, 2013.
________________. Conversando com C. S. Lewis. 1 ed. São Paulo: Planeta, 2014.

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