sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Viajando no Evangelho Segundo Mateus (1.18-25)

A Concepção e Nascimento do Rei
            Mateus nos apresentou a linhagem messiânica de Jesus e fez questão de incluir algumas mulheres, o que não era comum, bem como estrangeiros, o que era ainda mais controverso, pois deseja realçar que o novo Rei e no seu Reino não haveria qualquer descriminação ou distinção, pois seus cidadãos viriam de todas as tribos, povos e raças e todos seriam tratados como cidadãos de primeira classe.
            Vimos também que Mateus modifica o refrão da genealogia "que gerou...que gerou...” que se aplica a todos os descendentes, mas quando chega em José ele diz “marido de Maria, da qual nasceu Jesus” indicando assim que José não teve participação ativa na geração da criança.
            Agora o evangelista vai nos esclarecer alguns detalhes sobre o nascimento de Jesus do ponto de vista de José: como ele tomou conhecimento destes acontecimentos e como ele reagiu diante desta situação. E aqui temos um diferencial em relação às narrativas de Lucas, pois predomina a figura de José enquanto Maria fica mais passiva no desenvolver desta pequena perícope.
            Continuaremos nossa viagem utilizando o mesmo formato de roteiro: na coluna da sua esquerda teremos o texto evangélico e na coluna da sua direita alguns comentários sucintos que nos possibilitam uma compreensão melhor do registro feito por Mateus.

Boa viagem!

Evangelho Segundo Mateus (NVI)
Capítulo 1.18-25
Comentários
Síntese da Perícope: O Nascimento do Rei
Jesus para se tornar nosso representante legitimo necessitava entrar neste mundo da mesma forma que todas as pessoas, isto é, por nascimento. Entre milhares coube a José e Maria (ambos descendentes da linhagem davídica) o privilégio de serem os meios para que esse nascimento torna-se realidade. A genealogia termina com a “não” paternidade de José e agora esclarece os leitores do “porque”. “Antes de coabitar com José, pois estavam noivos, Maria achou-se gravida de um filho por meio do Espírito Santo”. Sendo um homem justo (piedoso) e depois de ser esclarecido através de sonho de que Deus está no controle desses acontecimentos, não hesita mais em tomar Maria como esposa e quando a criança nasce dá-lhe o nome de Jesus, conforme havia sido orientado. Mateus vai interpretar as palavras de Isaias (7.14) como se cumprindo no nascimento de Jesus. O restante da mensagem evangélica de salvação do pecador fica dependente do nascimento sobrenatural de Jesus!
18 Foi assim o nascimento (Lucas 1.27-38) de Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, mas, antes que se unissem, achou-se grávida pelo Espírito Santo.
19 Por ser José, seu marido, um homem justo [Gn 6.9; Sl 112.4-5; Mc 6.20; Lc 2.25; Atos 10.22], e não querendo expô-la à desonra pública, pretendia anular o casamento secretamente.
20 Mas, depois de ter pensado nisso, apareceu-lhe um anjo do Senhor em sonho e disse: José, filho de Davi, não tema receber Maria como sua esposa, pois o que nela foi gerado procede do Espírito Santo.
21 Ela dará à luz um filho, e você [José] deverá dar-lhe o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados.
22 Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor dissera pelo profeta:
23 “A virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e o chamarão Emanuel”, que significa “Deus conosco”.
24 Ao acordar, José fez o que o anjo do Senhor lhe tinha ordenado e recebeu Maria como sua esposa.
25 Mas não teve [ele] relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho. E ele [José] lhe pôs o nome de Jesus.

Além de Jesus o personagem relevante na perícope é José, ficando Maria em segundo plano. Mesmo não sendo o pai biológico de Jesus, antes de a mariologia ser estabelecida, a figura de José era diretamente relacionada com o menino. Ele é identificado como “justo” uma característica do crente do AT. Mateus sabe que seus leitores judeus se identificam muito mais com José [o direito legal ao trono de Davi] do que com Maria e além da sua genealogia o evangelista destaca o fato de que Deus falou diretamente com José por meio de seu mensageiro angelical. O carpinteiro José é um instrumento de Deus, assim como Maria, na realização de seu propósito salvador através de Jesus.
O “noivado” de José e Maria, diferente da nossa cultura ocidental moderna, era tratado como um “contrato de casamento”, quão e seria efetivado na noite de núpcias. Por está razão José preocupa-se em dar cobertura à situação de gravidez de Maria, pois ela poderia ser condenada como adultera e ser apedrejada, conforme a Lei estabelecida.
Através de um mensageiro angelical Deus tranquiliza o coração angustiado de José. Ele é lembrado das profecias messiânicas, que agora haverão de serem cumpridas na vida da criança que está sendo gerada em Maria. O menino é o “Emanuel” (Deus conosco), a entrada definitiva de Deus na humanidade (encarnação).
A partir deste ponto José não tem mais nenhuma dúvida do que Deus esta realizando através de suas vidas. Recebe Maria como sua esposa e tem o privilégio de colocar o nome na criança – Jesus (Jeová é a salvação).
Mateus utiliza-se da profecia de Isaías (7.14). A discussão se faz em relação ao significado da palavra hebraica “almah”. Os que rejeitam o nascimento virginal a traduzem por “mulher jovem” e os que defendem a traduzem por “virgem”, o que coaduna efetivamente com o contexto evangélico. Além da questão linguística o debate envolve a questão da fé, de maneira que milhares de páginas não alteraram as opiniões de ambos os lados da questão.
Emanuel – O nome nas narrativas bíblicas vai muito além de uma mera identificação pessoal, ele indica o caráter e o propósito para o qual Deus trouxe à vida. Isaías relaciona o Emanuel com “maravilhoso, conselheiro, Deu forte, Pai da eternidade, Príncipe da paz” (9.6). O evangelista João vai abrir sua narrativa com uma declaração semelhante: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e verdade, e vimos sua glória como do unigênito do Pai” (1.14). Para o apóstolo Paulo Jesus é Deus “manifestado na carne” (1Tm 3.16) e “Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9). Nenhum judeu e particularmente Paulo “fariseu de fariseu” e, portanto monoteísta radical faria tais declarações se não estivesse plenamente convencido de que Jesus Cristo é o “Deus conosco” e o cumprimento das profecias messiânicas.
O nascimento virginal de Jesus é a única forma de resolver a questão do pecado humano. Para nos salvar precisávamos de um representante plenamente humano, mas também sem pecado – somente Jesus Cristo cumpre essas duas exigências – ele é plenamente humano, pois nasceu de Maria e plenamente divino, pois foi fecundado pelo Espírito Santo, sem a participação masculina e desta forma livre da natureza adâmica pecaminosa.
Aqui temos duas mensagens proféticas: a esperança “ele será chamado pelo nome de Emanuel [Deus conosco]” e a realização “lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados”.
Diferentemente de Lucas que nos trás detalhes sobre como Jesus nasceu, Mateus conclui sua perícope de forma curta e direta, mas não sem conteúdo. “ele [José] não a [Maria] conheceu [relacionamento sexual/conjugal] até que ela deu à luz um filho.” Em nenhum momento o texto oferece qualquer indicação que José e Maria não conviveram como um casal normal após o nascimento de Jesus. A perpetuidade da virgindade de Maria é uma ideia forjada fora dos textos evangélicos e, portanto desautorizada e espúria. 
E ele [José] lhe pôs o nome de Jesus: isso é acrescentado para uma vez mais revelar a obediência de José à ordem recebida através do anjo. E Jesus era reconhecido por todos os conhecidos como o filho de José o carpinteiro (Mt 13.55; João 6.42). 

Conclusão Geral do Capítulo 1
v  A narrativa de Mateus é prosaica e simples, destituída de tom poético e sem qualquer esforço em criar um ambiente fantástico ou mítico. Fala de eventos extraordinários sem qualquer estardalhaço. Sua narrativa é histórica, simples e objetiva de maneira que seu conteúdo comunica o que é necessário e deixa de lado o que pode vir a ser subterfugio informativo.
v  Mateus não informa datas e lugares específicos dos acontecimentos narrados. Os personagens são apresentados sem qualquer explicação previa, como se todos eles fossem considerados familiares para seus leitores. Isso nos leva a pensar que escreve pensando nos leitores cristãos judeus, cujos fatos, pessoas e lugares mencionados lhes são bem conhecidos. Ele parece escrever como que para relembrar e registrar mais do que para informar seus leitores.
v  Desde seus dois primeiros capítulos, Mateus vai tecendo sua narrativa de maneira a integrar os fatos relacionados a Jesus e as profecias contidas no Primeiro Testamento, pois seu objetivo e demonstrar a messianidade de Jesus. Ele tem o cuidado de nos informar que esses eventos, por ele registrados, aconteceram para o propósito (além de todos os outros fins) de cumprir as mensagens dos profetas do Primeiro Testamento. O Segundo Testamento nasceu a partir do Primeiro, de maneira que o Evangelho está contido na Lei. A antiga dispensação (Lei) é apenas uma preparação para a nova dispensação (Graça). A conclusão de Mateus é que o verdadeiro judeu (piedoso/crente) à luz de tudo que envolveu Jesus se tornará um cristão.
v  Ainda que Mateus não explicite datas ele oferece fortes indícios da época histórica que os eventos ocorreram. As referências a Herodes e Arquelau, nos permite precisar com certa convicção o tempo do nascimento de Jesus Cristo. Ele nasceu durante a vida de Herodes o Grande, e não muito antes de sua morte. Herodes morreu no ano de Roma 750 pouco antes da páscoa (cf. Josephus, Ant., b. 17, ch. 8, sec. 1; ib., b.17, ch. 9, sec. 3). Isso foi verificado calculando o eclipse da lua, que aconteceu pouco antes da morte dele; (Jos., Ant., b. 17, ch. 6, sec. 4. Ideler, Handb. of Chronol., vol. ii, p. 391 sq.) Se relacionarmos o tempo da circuncisão, a visita dos Magos do Oriente, a fuga para o Egito, e o tempo da morte de Herodes, conclui-se que o nascimento de Cristo não pode ser fixado muito depois do outono do ano romano de 749.



Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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NT – Introdução Geral

Referência Bibliográfica
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado. São Paulo: ed. Milenium, 1985. [v. 1].
CARSON, D. A., MOO, Douglas J. e MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995.
EARLE, Ralph. O Evangelho Segundo Mateus. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. [Comentário Bíblico Beacon].
HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001.
HENDRIKSEN, William. Mateus, v.1 São Paulo: Cultura Cristã, 2001. [Comentário do Novo Testamento].
JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no Tempo de Jesus: pesquisa de história econômico-social no período neotestamentário. 4 ed. São Paulo: Paulus, 1983.
GIBSON, John Monro. The gospel of St. Matthew. London: Hodder and Stoughton, 1935. [The Expositor’s Bible].


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