quarta-feira, 26 de outubro de 2016

CONTEXTO HISTÓRICO DO NOVO TESTAMENTO: Judá e o Domínio Persa

Retomamos nossa proposta de verificarmos o pano de fundo histórico do Novo Testamento. O profeta Daniel e os demais livros deste período (Ester, Esdras e Neemias) estão inseridos no contexto histórico do Império Persa. Encontramos nestas páginas referências aos seus grandes imperadores: Ciro, Dario I, Xerxes e Artexerxes I.
Todos estes impérios têm como referência geográfica a região do Irã, que abrange a região montanhosa entre a Assíria e a Índia Transcaspiana e o golfo Pérsico. Vejamos inicialmente um pouco da formação destes grandes impérios.
Em primeiro lugar temos o império dos medos. Eles fundaram ao nordeste do Irã um dos reinos mais poderosos e temidos o qual deram o nome de Média (700-550 a.C.; cf. Jr 25.25). Por não deixarem fontes escritas pouco sabemos sobre eles e por esta razão acabaram sendo associados aos persas. O historiador grego Heródoto não faz distinção entre eles, em seu relato sobre as guerras gregas se refere às Guerras Médicas, como se os dois povos fossem apenas um. Eles sempre foram um povo difícil de ser conquistado. Os assírios chegaram a dominar parte da Média, mas nunca sua totalidade. Depois da vitória sobre o reino de Israel, em 740 a.C., os israelitas foram enviados ao exílio em lugares na Assíria e "nas cidades dos medos", indicando que eram cidades vassalas da Assíria. Foi com Ciáxares II (645-585 a.C.) que após acabar com as invasões Citas, inimigos naturais, estabeleceu uma aliança com Nabopolasar (Babilônia) e juntos enfrentaram e venceram o então poderoso Império Assírio, tomando-lhe sua capital Nínive em 612 a.C. Nesse momento ocorre uma mudança na geografia mundial: os babilônicos ficaram com as terras baixas da Mesopotâmia e formando um dos maiores impérios já visto com Nabucodonosor (605-562 a.C.); os medos ficaram com as terras altas do leste e se tornaram em uma nova potência no Próximo Oriente. Mas em meados do século VI a.C., os persas, que de um sistema tribal haviam evoluído para um aglomerado de pequenos reinos, liderados por Ciro II e/ou Ciro, o Grande (550 a.C.) rebelou-se contra o rei medo Astíages (seu avô), derrotando-o e capturando-o e após vencer os aliados dos Medos reinou na capital Ecbátana.[1]
Após a conquista do rei persa Ciro II e/ou Ciro, o Grande[2] temos o início da chamada Pérsia grega, estabelecendo a dinastia dos Aquemênida que passaram a ter um domínio mundial (550-331 a.C.).[3] Em seu apogeu os Aquemênidas construíram um império com cerca de 8 milhões de quilômetros quadrados que abrangia três continentes: Ásia, África e Europa, estimando um número de 50 milhões de pessoas que viviam debaixo da autoridade e governo desta dinastia Persa, ou cerca de 44% da população mundial daquele período histórico.  
Posteriormente temos um terceiro império denominado de Partas (250 a.C.). A dinastia parta dos Aquemênida controlaram as estradas comerciais durante o tempo anterior ao cristianismo, incrustado no meio de dois dos maiores impérios China e Roma. Finalmente em 224 d.C. eles foram expulsos pelos vassalos romanos. Duas cidades importantes foram Ecbátana na Média e Selêucia à margem ocidental do rio Tigres.
Os persas voltaram a dominar esta região sob a dinastia dos sassânidas, considerada um dos períodos mais relevantes e influentes da história da Pérsia. Em seu apogeu foi o último grande Império Persa antes da conquista muçulmana e da adoção do islamismo. Antes, porém, disputou metro a metro com o império Romano a predominância da região, até a ocupação da Mesopotâmia pelos árabes em 636 d.C. Os sassânidas davam a seu império o nome de Irã e a capital deste último império persa foi a cidade de Ctesífon. Segundo o notável orientalista estadunidense Arthur Pope (1881–1969), referindo-se a todos os governos persas conclui: "o mundo ocidental tem uma dívida enorme a ser paga à civilização persa" ( p.11). Para o filosofo Georg Hegel, em sua obra História da Filosofia, o Império Persa foi o primeiro império no sentido moderno e seu povo foram as "primeiras pessoas históricas". E complementado citamos as palavras de outro grande historiador, Will Durant, quando se refere à relevância da civilização Persa:
Por milhares de anos os persas têm produzido beleza. Vocês têm sido uma espécie de divisor de águas da civilização, derramando seu sangue e pensamento, da arte e da religião para leste e para o oeste no mundo ... Eu não preciso mencionar para você novamente as realizações de seu período Aquemênida. Pois, pela primeira vez na história um império quase tão extensa como os Estados Unidos estabeleceram um governo ordenado, com competência administrativa, uma rede de comunicações rápidas, uma garantia de circulação de pessoas e mercadorias em estradas majestosas, igualados antes do nosso tempo unicamente pelo auge da Roma imperial (Palestra proferida na Sociedade Irã-Estados Unidos em Teerã em 21 de abril de 1948).
Diante deste pequeno quadro geopolítico podemos perceber a tremenda influência que os persas exerceram sobre a região da Palestina e sobre a vida dos judeus. Tanto Israel quanto Judá estiveram alternadamente sobre a influência do vale do Nilo e da Mesopotâmia. Tanto Ciro quanto os persas inseriram os judeus numa ampla e poderosa civilização cosmopolita (equivalente à globalização atual), incluindo a culta região da Ásia Menor. O Império Aquemênida deixou uma impressão duradoura, bem como influenciou o desenvolvimento e estrutura dos impérios futuros. Na verdade, os gregos e, mais tarde, os romanos assimilaram as melhores características do método persa de governar o império, e indiretamente as adotou. Mais ainda, as influências persas haverão de transpassar os séculos e influenciar até mesmo o próprio cristianismo em seus primeiros séculos.
Olhando pelo prisma da Providência de Deus, esta inserção cosmopolita da Palestina proporcionou o desenvolvimento externo do judaísmo que por sua vez tornou-se o roteiro a ser seguido pelos missionários cristãos e ninguém soube aproveitar melhor esta vantagem do que Paulo e seus companheiros.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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Referências Bibliográficas
ANDRADE, Claudionor de. Geografia Bíblica: a geografia da Terra Santa é uma das maneiras mais emocionantes de se entender a história sagrada. 13ª. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.
BRANDON, Samuel George Frederick. Jesus and the Zealots – a study of the political fator in primitive christianity. New York: Charles Scribner’s Sons, 1967.
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[1] Depois da vitória sobre o reino de Israel, em 740 AEC, os israelitas foram enviados ao exílio em lugares na Assíria e "nas cidades dos medos", algumas delas sendo então vassalos da Assíria. Quando a reconstrução da cidade e do Templo judeu de Jerusalém foram questionados por autoridades persas, ainda nos dias de Zorobabel, uma comunicação foi enviada ao Rei Dario I, da Pérsia, solicitando a confirmação do decreto de Ciro que autorizava esta reconstrução (Ed 5.1-17). Após uma consulta nos arquivos reais o decreto de Ciro foi encontrado em Ecbátana, confirmando assim a legalidade da obra de reconstrução do templo. De fato, Dario emitiu uma ordem com o fim de que a obra dos judeus prosseguisse sem impedimento, e os opositores deles receberam até mesmo a ordem de prover-lhes os materiais necessários, o que “fizeram prontamente”. O templo foi finalmente completado “ao terceiro dia do mês lunar de adar, isto é, no sexto ano do reinado de Dario, o rei”, ou já perto da primavera setentrional de 515 a.C. (Esd 6.6-15).
[2] Segundo os historiadores gregos segundo Heródoto e Xenofonte ele teve pai persa e mãe média, e foi ele o responsável por unir os persas sob a sua liderança. (Heródoto, I, 107, 108; Ciropedia; ambos de Clássicos Jackson, Vol. XXIII, e Vol. I, Livro I, p. 7.).
[3] A desagregação do Império Aquemênida ocorreu nos conflitos com as cidades gregas, culminando com a conquista do Império por Alexandre, o Grande (século IV a.C.).

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