O
livro reivindica ser um apocalipse (1:1), uma profecia (1:3) uma epístola (1:4,
11: 22:21) e uma visão (9:17). É escrito em parte no estilo da literatura
Apocalíptica Judaica,[1]
conhecida através de abundante produção literária, que se estendeu pelo período
que vai do século II a.C. ao século III d.C., desenvolvendo-se primeiramente
numa ramificação judaica e depois judaica e cristã. Ainda outros exemplos deste
estilo de escrito na Bíblia incluem partes de Daniel, Ezequiel e Zacarias. O
fato de o Apocalipse se enquadrar no gênero apocalíptico é uma das chaves para
sua interpretação. Mounce destaca que “um
papel principal do apocalipse era explicar por que o crente sofria e por que o
reino de Deus se demorava” (1977) e podemos ver claramente estes dois
aspectos no Apocalipse.
Este
tipo de literatura era escrito debaixo do pseudônimo[2] de
alguém importante do passado como Moisés ou Enoque, mas o Apocalipse difere neste
aspecto, pois foi escrito sob o nome de João o qual era um nome comum e
contemporâneo de seus primeiros leitores. O apocalipse era normalmente revelado
por um ser celestial, como um anjo, este também é o caso com o Apocalipse,
porém Deus faz reivindicações explicitas de sua autoria, através da mediação de
Jesus Cristo e Seu anjo.
A
mensagem do Apocalipse é expressa através de um simbolismo vívido e retrata as
lutas entre bons e maus no transcorrer da história mundial passada e futura.
Descreve o ser humano como sendo impotente para vencer sozinho o mal.
Finalmente Deus intervirá cataclismicamente para destruir os poderes do mal.
Isto está intimamente associada com o retorno do Messias e a inauguração do
reino de Deus (20).
Esta
linguagem apocalíptica era um estilo familiar para o público de João, mas para
nós ele parece estranho. O livro é repleto de alusões aos escritos do Primeiro Testamento
e/ou Antigo Testamento, entre citações literais e alusões contam-se cerca de quinhentas. Mas, diferentemente dos outros autores
neotestamentários, o autor do Apocalipse não introduz suas citações com
referência explicita (como: “assim a
Escritura”, “assim disse Isaías”,
etc...), mas as integra no corpo de sua própria mensagem, como se fossem
palavras suas. Conforme explica Vanni:
Variantes significativas com relação ao original
veterotestamentário, indicam às vezes uma interpretação própria do autor e,
geralmente, o enredo abrangente de alusões e de referências põe o Antigo Testamento
em contato contínuo como o Novo. O Novo Testamento constitui seu ponto de
chegada, mas sem uma compreensão adequada do Antigo, tornar-se-ia
ininteligível. Para a hermenêutica do Apocalipse será necessário, portanto,
tomar conhecimento desses contatos, explicitá-los, avalia-los em seu sentido
originário, deduzir a partir deles as consequências e as aplicações que o autor
deixa apenas entrever. Numa palavra, a hermenêutica do Apocalipse é em grande
parte uma releitura do Antigo Testamento (1984,
pp.31-32).
Vejamos
algumas características desta utilização conforme mencionadas por A. Vanhoye: a) Parece que o autor recorre
diretamente ao texto hebreu e não às traduções gregas conhecidas. b) As citações exatas são muito
raras. João conserva uma inteira
liberdade para se inspirar na Escritura, interpretando-a num sentido cristão. Frequentemente
simplifica os textos, para melhor delinear os aspectos importantes. Ficamos,
por exemplo, afogados na visão inaugural de Ezequiel (Ez 1-2); João soube
discernir seus poucos traços fundamentais (Ap 4). Frequentemente também lhes confere uma
dimensão universal que não comportam sempre (1983, p.18-19).
Outra diferença entre o
Apocalipse e a literatura apocalíptica judaica deve ser destacada, pois, embora
João fosse um judeu ele era também um cristão e como tal sua mensagem é
Cristocentrica.
A razão para o estilo
apocalíptico é por ser vívido o bastante para ser lembrado por aqueles que
estão debaixo de forte perseguição e a quem é primeiramente dirigido, pois
aqueles que estão sofrendo perseguição não se lembrariam tão facilmente da
teologia epistolar, mas a imagem vívida do Apocalipse podia facilmente ser
recordada. O uso de imagens simbólicas torna-se também significativo para todas
as gerações posteriores porque elas não atrelam os símbolos a qualquer evento
específico da história da Igreja. “Sua linguagem, por vezes simbólica, tem a
vantagem de vencer mais facilmente o tempo, pois o símbolo não altera sua
representação com o perpassar dos anos” (NOVAH, 1989, p. 3).
Obviamente
a imagem da besta pode ser frequentemente mostrada para relacionar-se ao
Império Romano (como os preteristas interpretam), mas não está limitada apenas
ao Império Romano, mas a todas as espécies de tiranias manifestadas através dos
séculos e que perseguem a igreja e que culmina num anticristo. Significa também
que não podemos usar o Apocalipse para predizer o tempo exato da segunda vinda
de Cristo, pois o propósito central do Apocalipse é ajudar a preparar o povo de
Deus para a segunda vinda e para o tempo difícil antes deste último
acontecimento histórico.
O
livro é apocalíptico em estilo e então deva ser interpretado simbolicamente e
não literalmente. Optando por uma aproximação completamente literal logo se
depara com dificuldades, por exemplo, quando se tenta interpretar isoladamente
o oitavo rei de Ap 17:11, ou o significado do número da besta, 666, ou a nova
Jerusalém que tem 12.000 estádios cúbicos de extensão. Por sua própria
descrição percebe-se que são simbólicos, e Jesus mesmo explica o simbolismo das
sete estrelas e dos sete castiçais (1:20) e deste modo dá a nós cristãos do início
do século XXI uma chave para sua interpretação: “Quanto ao mistério das sete
estrelas que viste na minha mão direita e aos sete candeeiros de ouro, as sete
estrelas são os anjos das sete igrejas, e os sete candeeiros são as sete
igrejas”.
Porém,
como uma profecia ele está predizendo o futuro, mas também continua sendo a
palavra de Deus. Como uma epístola João cria uma tensão entre arrependimento e
santidade por parte dos santos. Visa encorajar os santos para suportar
perseguição, e para não assumir compromisso com os padrões do mundo e como
estimulo e alerta ele mostra as recompensas daqueles que creem e obedecem às
palavras deste livro e o castigo dos que não o levarem a sério.
Temos
ainda no livro do Apocalipse um caleidoscópio de descrições e visões de Jesus
em sua glória divina e fornece também muitos exemplos de hinos de louvor e
adoração que tem inspirado por séculos os compositores de hinos.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br//
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Referências Bibliográficas
BORNKAMM, Gunther. Bíblia - Novo Testamento-Introdução aos seus Escritos no Quadro da
História do Cristianismo Primitivo. São Paulo: Paulinas, 1981.
COSTA, Hermisten Maia Pereira da, A Literatura Apocalíptica – Judaica. São
Paulo: ed. CEP, 1992.
MOUNCE
R. H. The Book of Revelation, New
international Commentary on the New Testament. Eerdmans, 1977.
NOVAH, Maria Salette da
Silva. Apocalipse – Livro Aberto.
São Paulo: 1989, p. 3.
SUMMERS Ray. A Mensagem do Apocalipse. Rio de Janeiro: Ed. JUERP, 1980.
VANHOYE, A. Uma Leitura do Apocalipse. São Paulo: Edições Paulinas, 1983. [Citado
em Cadernos Bíblicos].
VANNI, Hugo. Apocalipse - Uma Assembleia Litúrgica Interpreta a História. São Paulo: Edições
Paulinas, 1984.
[1]
“A apocalíptica é uma forma tardia de profecia do Antigo Testamento que ainda
leva as marcas de sua origem, com suas extensas citações, imagens e sentenças
tiradas dos profetas do Antigo Testamento. Mas a apocalíptica difere da
profecia em virtude do dualismo cósmico em que se incuba sua expectativa do
fim”. (BORNKAMM, 1981, p. 121). Para uma compreensão mais apurada deste tipo de
literatura, tanto suas semelhanças quanto suas diferenças em relação ao
Apocalipse de João, recomendam-se uma obra do Rev. Hermisten cujo pressuposto é
de que “o estudo da Apocalíptica Judaica torna-se numa ferramenta muitíssimo
importante para a compreensão da complexidade do Livro de Apocalipse,
fornecendo-nos, assim, subsídios para a sua interpretação, mostrando-nos o
perigo do literalismo, o qual foi tão explorado desde um passado remoto até aos
nossos dias”. (COSTA, 1992, p.7). Para
uma visão preliminar dos principais livros apocalípticos ver (SUMMERS, 1980, p.
26-36).
[2] O
Rev. Hermisten destaca algumas razões para este característico (COSTA, 1992, p.35-36).
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