Há uma discussão entre os vários
estudiosos sobre a pessoa de Teófilo. A questão é se ele foi um personagem real
ou um personagem literário, portanto fictício, criado pelo evangelista Lucas.
Personagem literário: O nome Teófilo (Θεόφιλος) significa
"amigo de Deus" e por esta razão muitos estudiosos entendem que Lucas
utiliza-se deste artifício para se dirigir secretamente a todos os cristãos. A
razão é que em seus dias os judeus estavam abertamente perseguindo os cristãos
e ele empregou este criptograma para desviar a atenção dos adversários, em
relação aos seus reais leitores. Alguns defendem que vários personagens citados
por Lucas ainda estavam vivos, incluindo Maria mãe de Jesus, e poderiam correr
risco de vida, daí a precaução de Lucas. Esta interpretação não se sustenta. As
fortes indicações são de que Lucas não escreveu para os cristãos na Palestina.
A data e o local de onde Lucas escreveu são motivos de muitas possibilidades,
portanto, se Maria ou outras lideranças ainda estavam vivas por ocasião da
circulação deste evangelho são hipotéticas. E mais ainda, a utilização de
personagens fictícios é estranha aos escritores bíblicos. Seria muito melhor
não fazer nenhuma dedicatória, como Marcos, Mateus e João, do que fazê-la de
forma fictícia.
Personagem real: Podemos aceitar a ideia de que Teófilo era uma pessoa real, com um
nome bonito, embora não incomum, uma pessoa que deveria estar ocupando uma alta
posição no mundo romano, e convertido ao Senhor Jesus. O adjetivo “excelentíssimo”,
que ele omite em Atos,[1]
mas que utiliza no seu primeiro volume (evangelho) mormente é destinado para qualificar
a condição social de uma pessoa ou para se referir alguma autoridade, conforme
exemplo aqui mesmo no livro de Atos, quando Tertulo, um advogado, se dirige ao
governador Felix (Atos 24: 3), durante o processo movido contra Paulo pelos
judeus.
Diversos comentaristas bíblicos corroboram a interpretação de que
Teófilo é uma pessoa real. Carson se
referindo a expressão "excelentíssimo Teófilo" declara: "A maneira mais natural de entender a
expressão é que Teófilo era uma pessoa de verdade e o mecenas de Lucas,
provavelmente pagando os custos da publicação do livro, e que por isso a ele
dirigido. O adjetivo provavelmente significa que Teófilo era uma pessoa de
posição". (2001, p. 131).
Childers concorda
e especifica que o adjetivo “é um título
de respeito, usado para pessoas de autoridade. Teófilo foi provavelmente um
oficial romano. Talvez isto seja ressaltado pelo fato de o autor utilizar o
mesmo título, no original em grego, três vezes no livro de Atos (nessas
ocorrências, traduzido como ‘excelentíssimo’) e nessas três vezes[2]
ele se dirige a um oficial romano" (2006, p. 356). Sem discordar dos
citados anteriores, mas com um tom diferente, Hendriksen discute se a
utilização da expressão elogiosa é suficiente para colocar Teófilo como uma
autoridade romana, de maneira que para ele é no mínimo precipitado “determinarmos se aqui Teófilo é mencionado
como ocupante de uma elevada posição no governo, como parte da ordem equestre
ou simplesmente como uma pessoa digna de honra muito elevada. Portanto, não
podemos dizer se a tradução correta de Lucas (1.3) é ‘sua excelência' ou ‘excelentíssimo’”.
Nos cabeçalhos ou introduções dedicatórias, o epíteto usado por Lucas aparece
de forma bastante frequente, às vezes, quem sabe, como expressão de
cortesia" (2003, p. 88).
O termo grego utilizado por Lucas para qualificar seu leitor pode
tanto se referir a um oficial de patente elevada ou também pode apenas ser uma
forma educada e amigável sem uma conotação oficial (cf. TENNEY, 2008, p. 839).
Uma outra hipótese, defendida por Ramsay, é de que o nome Teófilo
seria um nome de batismo, portanto, conhecido apenas entre os cristãos, e que
fora utilizado por Lucas para camuflar a verdadeira identidade de seu leitor, por
causa do crescente tensões entre o Estado e a nascente igreja cristã (W. M.
Ramsay, St. Paul the Traveller and Roman Citizen, 388, abud, TENNEY, 2008, p. 839).
Todavia, se Lucas originalmente desejava se referir a todos os
cristãos e não especificamente a uma única pessoa, certamente ele utilizaria um
termo plural que pudesse incluir um número indefinido de leitores, mas ele
identifica seu leitor com um nome próprio que era comum em autores gregos e
latinos. De acordo com TENNEY o nome Teófilo
“é encontrado como um nome próprio no início
do séc. 3º a.C. tanto nos papiros quanto nas inscrições (J. H. Moulton e G.
Milligan, The Vocabulaty of the Greek Testament, 288) e como um nome judeu no
Papiro Flinders Petrie (II, 28 ii 9), também do séc. 3º a.C.” (2008, p. 839).
Pelos termos utilizados por Lucas no evangelho Teófilo seria um
cristão recentemente convertido e que está sendo instruído (discipulado). Essa
é a opinião de Hendriksen: "É
evidente que Teófilo já havia recebido alguma – talvez até mesmo uma boa
quantidade de – informação sobre a doutrina cristã. Em certa medida, a verdade
da religião cristã estivera ressoando em seus ouvidos; ou seja, que ele tivesse
sido ‘catequizado'" (2003, p. 89). Essa preocupação de Lucas deve
permanecer vigente em relação aos neófitos que necessitam sempre serem
fundamentados nas verdades estabelecidas na Bíblia a respeito de tudo que
concerne à fé cristã. Lucas fez uma acurada ou minuciosa pesquisa de todos os
fatos relacionados à Jesus e ao Evangelho, o que em hipótese alguma fere a
natureza da inspiração do texto evangélico por ele produzido, pois sua
preocupação primária é de oferecer a Teófilo um firme fundamento para sua fé. O
tornasse cristão não implica em renunciar a capacidade de pensar e investigar,
pois o Espírito Santo convence do pecado, da verdade e do juízo de Deus, sem
anular as faculdades naturais. A genuína religião cristã conclama a um exame sério
e cuidadoso em tudo que se relaciona à fé.
Alguns defende a hipótese de que Teófilo fosse um nobre da grande
e rica cidade de Antioquia, onde provavelmente veio a conhecer a mensagem do
Evangelho e o médico Lucas. Essa possibilidade tem seus atrativos visto que de
acordo com Eusébio e Jerônimo, Lucas era de origem síria e morador de
Antioquia, e cuja cidade, segundo a narrativa lucana de Atos, veio a se
constituir no grande centro missionário para os povos gentios e onde muitos dos
personagens mencionados ali estiveram. Merrill informa que no Recognitions
Clementino faz uma citação de um Teófilo de alta distinção na cidade de
Antioquia, que deve ser portanto, o leitor a quem Lucas dedica suas obras (2008,
p. 839).
Ainda resta a possibilidade, a partir da expressão grega “foste
instruído” (Lc 1.4), de que Teófilo ainda não havia se tornado um cristão e
havia recebido informações equivocadas ou até mesmo hostis sobre os cristãos e
sua mensagem, de maneira que Lucas deseja corrigir, esclarecendo e relatando os
fatos como realmente aconteceram, fundamentado em ampla pesquisa, inclusive com
testemunhos oculares. Desta forma a obra em dois volumes Lucas-Atos se
constituiria em uma primeira obra apologética demonstrando que o Cristianismo
era uma religião pacífica e que os cristãos mantinham sua lealdade ao governo
imperial. É possível identificar estes dois aspectos em diversos relatos, mais
acentuadamente em Atos.
Por fim, há uma tradição antiga segundo a qual Teófilo era ou
viveu na cidade de Alexandria.
Desta forma, é possível abalizar com grande grau de certeza
de que Teófilo foi de fato um personagem real, e o epíteto “excelentíssimo”, em
todos os sentidos do seu significado técnico, é dificilmente compatível com
qualquer outra possibilidade.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan
Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br
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Referências Bibliográficas
CARSON, D. A. Introdução
ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2001
CHILDERS, Charles L. Comentário
Bíblico Beacon, v.6. Rio de Janeiro: CPAD, 2006.
HENDRIKSEN, William. Comentário
do Novo Testamento – Lucas, v.1. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.
MARSHALL, I. Howard. Atos –
introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1982. [Série Cultura
Bíblica].
TENNEY, Merrill C. (Org.). Enciclopédia da
Bíblia, v. 5. Tradução da Equipe de colaboradores da Cultura Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
Excelente contribuição !!
ResponderExcluirGrato. Qualquer sugestão será sempre bem vinda.
ExcluirParabéns pelo artigo.
ResponderExcluirAgradeço seu comentário animador. Meu propósito é despertar os leitores para a relevância dos textos bíblicos.
ExcluirGrato! Suas palavras são de grande insentivo!
ExcluirQuero externar minha GRATIDÃO pela grandiosidade desta obra literária.PARABÉNS.
ExcluirEntão o livro de ATOS é um Talmud.
ResponderExcluirNão sei se podemos fazer essa comparação, mas vou pesquisar sobre isso.
ExcluirÓtimo estudo! Mas acho a hipótese menos relevante de Lucas estar utilizando tal epíteto ser dirigida à um mecenas, pois sabemos que Lucas exercia um ofício na medicina, e entendo que essa formação profissional não se dava ou despunhava-se a qualquer um que quisesse atuar na profissão ( não era acessível a todos). Com isso, Lucas não dependeria de um ou mais mecena para pagar sua arte. Abraço a todos e um especial à Guedes!
ResponderExcluirExercer o ofício de medicina naqueles dias é bem diferente dos dias atuais, financeiramente, além do que a produção de uma obra dessa envergadura exigiria um custo econômico muito grande e por fim Lucas teria que ter tempo específico para escrever e organizar todo o material de pesquisa que ele havia recolhido. O apadrinhamento de escritores e outras artes era e continua sendo uma prática de pessoas economicamente abastada.
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