Quando você pensa na palavra "autógrafo",
o que vem à mente? Talvez a assinatura de algum autor famoso, tipo noite de autógrafos
em que ele faz alguma dedicatória em sua obra para o seu leitor. Alguns livros
antigos tornam-se muito mais valiosos quando contém alguma dedicatória assinada
pelo autor.
No meio acadêmico e da erudição o termo "autógrafo"
pode se referir ao documento original escrito pelo autor original de uma
obra literária em particular. O termo se tornou popular nos estudos das literaturas
que compõem o Novo Testamento.
Para melhor compreendermos o que é um “autógrafo”
precisamos compreendermos como funcionava uma publicação no 1º século. No que
concerne aos escritos neotestamentários encontramos algumas passagens
fascinantes que nos fornecem pistas de como alguns dos livros que compõem o
Novo Testamento foram escritos, e pelo menos uma passagem que nos diz como ele
circulou.
Em várias passagens os autores declaram que
fazem uso do serviço de um escriba para escrever o determinado documento que
eles estavam ditando a eles (são nominados também de "amanuenses").
Podemos ver isso ocorrer no final do livro da epístola aos Romanos, onde o
escriba de Paulo escreve: "Eu Tércio, o autor (escritor) desta carta,
saúdo-vos no Senhor" (Romanos 16.22).
Tomando conhecimento deste fato faz todo sentido
que Paulo frequentemente deixe seus leitores saberem no final de uma carta que
ele está escrevendo com "sua própria mão" (2 Ts 3.17; Cl 4.18;
1 Cor 16.21; Fm 19; Gl 6.11). Desta forma Paulo está indicando que ele não
escreveu todas suas correspondências com sua própria mão, mas que teve o auxílio
de outra pessoa para redigi-los. De forma que a declaração sobre sua própria mão,
funciona como seu carimbo de aprovação e autenticação da referida correspondência.
O apostolo Pedro igualmente teve alguma ajuda
na escrita de sua primeira carta: "Por Silvano, irmão fiel como o
considero, escrevi-vos brevemente". Diante destes testemunhos podemos
deduzir muitas das epistolas foram produzidas por ditado.
Podemos entender igualmente de como foram
publicados. Quando Paulo menciona o envio de certas pessoas para os
destinatários de sua carta: "Tíquico vos contará tudo sobre as minhas
atividades. Ele é um irmão amado e ministro fiel e companheiro servo no Senhor.
Eu o enviei a vocês com esse mesmo propósito, para que saibam como somos e para
que ele encoraje seus corações, e com ele Onésimo, nosso irmão fiel e amado,
que é um de vocês. Eles vão contar tudo o que aconteceu aqui" (Cl 4.7-9).
É plausível, ainda que não explícito, de que eles também seriam os que levariam
sua carta a eles.
Quanto a recepção por parte de seus leitores
primários, Paulo também nos ajuda (1 Tessalonicenses), onde orienta que a
igreja não retenha a correspondência para si, mas conforme ele mesmo declara:
"faça com que esta carta seja lida a todos os irmãos" (5.27). De
certa forma Paulo está autorizando que sua correspondência seja “publicada”
e/ou “reproduzida” oficialmente.
De acordo com os exemplos acima podemos definir
que um documento "autógrafo" é um documento aprovado pelo
autor que foi enviado e circulado. A cuidadosa observação de
Paulo “com a própria mão” revela que a publicação de sua obra somente é autêntica
quando marcada por seu "selo de aprovação" pessoal. O que não
significa que o autor foi a única pessoa que escreveu fisicamente a
obra, mas sim que o autor foi o único responsável por compor o conteúdo da
obra. E de acordo com a orientação contida em 1Tessalonicenses o zelo
quanto a circulação da obra foi uma parte crucial do processo autográfico.
Autógrafo é o documento escrito ou ditado e aprovado
pelo autor que foi enviado e distribuído.
Hoje encontramos o Novo Testamento
impresso amplamente e traduzido em vários idiomas. Inumeráveis pessoas
preservaram, copiaram e compartilharam esses escritos por séculos. Essa
inestimável coleção de documentos cuidadosamente compostos e compartilhados foi
escrita por pessoas reais (Paulo, Pedro) e não um anjo celestial, usando as
convenções de escrever e publicar em consonância com seu tempo e não uma forma
sobrenatural, para redigir e comunicar o que eles entendiam ser a mensagem mais
importante da história humana – a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo o Senhor!
Utilização livre desde que citando a fonteGuedes, Ivan PereiraMestre em Ciências da Religião.me.ivanguedes@gmail.comOutro Bloghttp://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
Referências
Bibliográficas
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Fundação editora da UNESP, 1997.
BLACK,
David Alan. New Testament Textual Criticism - A Concise Guide. Michigan:
Baker Books, 1994. [excelente roteiro para quem deseja entender o básico
sobre as questões textuais do NT].
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F. F. Merece confiança o Novo Testamento? Tradução: Waldyr Carvalho
Luz). 3º. Ed. São Paulo: Vida Nova.
2010. [Trata-se de uma das mais concisas e sólidas defesas dos
documentos neotestamentários].
DOCKERY,
S. David. Hermenêutica Contemporânea à luz da Igreja Primitiva. Traduzido
por Álvaro Hattnher. São Paulo: Vida, 2005.
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HIXSON, Elijah and GURRY, Peter J. Myths and Mistakes in New Testament Textual Criticism. Illinois: Academic (IVP), 2019. [os autores procuram corrigir uma série de distorções produzidas nestes últimos séculos em relação aos textos neotestamentários].
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