Os livros que compõem o Segundo Mandamento (Novo Testamento) foram
escritos ao longo da segunda parte do primeiro século cristão. Mas não somente
estes livros como também um número expressivo de outras literaturas que no
processo de canonização foram descartados.
O reconhecimento do cânon do Novo Testamento não foi um acontecimento,
mas um processo, mas nem todos os livros neotestamentário foram aceitos imediatamente,
alguns permaneceram com reservas por parte das igrejas até o século IV quando
finalmente foram aceito por todos como parte integrante das escrituras
bíblicas.
Esse pequeno grupo de literatura que foram questionadas recebem a
nomenclatura de antilegomena (em grego: αντιλεγομένα), literalmente, os escritos em que há
alguém que "falou contra". Este grupo é distinto dos “espúrios”
ou "rejeitados" e dos "Homologoumena" aqueles escritos que foram aceitos
por todas as igrejas, como os quatro Evangelhos canônicos.
De acordo com o historiador Eusébio, houve sete
livros cuja autenticidade foi questionada por alguns
dos pais da igreja, e por isso ainda não haviam obtido
reconhecimento universal por volta do século IV. Os livros objeto
de controvérsia foram Hebreus,
Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas e Apocalipse.
A Razão Para o Questionamento
O fato desses livros não ter obtido reconhecimento universal até o início
do século IV não significa que não haviam tido aceitação inicial por parte das
comunidades apostólicas e pós-apostólicas. Ao contrário, esses livros foram
citados como inspirados por vários estudiosos primitivos. Tampouco, o fato de
terem sido questionados, em certa época, por alguns estudiosos, não é indício
de que sua presença no cânon atual seja menos firme do que a dos demais livros.
Ao contrário, o problema
básico a respeito da aceitação da maioria desses livros não era sua inspiração,
ou falta de inspiração, mas a falta de comunicação entre o Oriente e o Ocidente a respeito de sua autoridade divina. A
partir do momento em que os fatos se tornaram conhecidos por parte dos pais da
igreja, a aceitação final, total, dos 27 livros do Novo Testamento foi
imediata.
Vejamos de forma breve uma exposição sobre os motivos das objeções que
cercaram cada livro e sua aceitação definitiva.
Hebreus. Neste caso o problema estava na autoria e estilo.
A tradição dizia ser de Paulo, mas não há o nome do autor, como é costume de
Paulo. O estilo também não é exatamente o mesmo, embora haja muita semelhança.
Por esta razão o livro permaneceu sob suspeição entre os cristãos do Oriente, que não
sabiam que os crentes
do Ocidente o haviam aceitado como autorizado e dotado de inspiração.
Além disso, o fato dos montanistas heréticos terem recorrido a Hebreus em apoio a algumas de suas concepções errôneas
acabou por postergar sua aceitação nos círculos ortodoxos. Ao redor do século
IV, no entanto, sob a influência de Jerônimo e de Agostinho, a carta aos Hebreus encontrou seu lugar permanente no cânon.
Uma vez que o Ocidente estava
convencido do cunho apostólico desse livro, nenhum obstáculo permaneceu no
caminho de sua aceitação plena e irrevogável no cânon. O teor do livro é plenamente
confiável, tanto quanto sua reivindicação de deter autoridade divina.
Tiago. A veracidade do livro de Tiago foi desafiada,
tanto quanto sua autoria. Como no caso da carta aos Hebreus, o
autor da carta atribuída a Tiago não afirma ser apóstolo. Os primeiros leitores
e os que se lhes seguiram puderam atestar que esse era o Tiago do círculo
apostólico, o irmão de Jesus (cf. At 15 e Gl 1). Todavia, a igreja ocidental
não teve acesso a essa informação original. No entanto, em decorrência dos
esforços de Orígenes, de Eusébio (que pessoalmente recomendava a aceitação de Tiago), de Jerônimo
e de Agostinho, a veracidade e a apostolicidade dessa carta vieram a ser reconhecidas
pela igreja ocidental. Dessa época até o presente, Tiago vem ocupando sua
posição canônica no cristianismo. É claro que sua aceitação baseia-se na
compreensão de sua compatibilidade essencial com os ensinos paulinos a respeito
da justificação do crente pela fé. O aparente conflito entre seu ensino e o de Paulo, sobre a justificação pela fé, levou Martinho
Lutero a chamar Tiago de ''carta de palha'', colocando-a no fim do
Novo Testamento, mas em momento algum Lutero a retirou do cânon e ele mesmo em
várias oportunidades a recomenda: “Eu não impediria ninguém de incluir ou
exaltar [Tiago] como lhe agradasse, pois por outro lado existem [em Tiago]
muitas coisas boas que ele disse”. O grande reformador em seu afã contra
qualquer esforço humana para a salvação, não se apercebeu da perfeita harmonia
do ensino de Tiago com o ensino de Paulo.
Segunda carta de Pedro. Nenhum outro documento do Novo Testamento ocasionou maiores
dúvidas quanto à sua autenticidade do que 2
Pedro. Parece que Jerônimo entendeu o problema; ele afirmou que a hesitação em aceitá-la como obra
autêntica do apóstolo Pedro deveu-se à dessemelhança de estilo com
a primeira carta do apóstolo. Há algumas diferenças notáveis
de estilo entre as duas cartas de Pedro, mas, não obstante os problemas linguísticos
e históricos, há mais do que amplas razões para que aceitemos 2
Pedro como livro canônico.
Sua aceitação é primeiramente no Oriente,
onde aparece na antiga versão cóptica (200 d.C.) e no manuscrito p72 (inicio do
século III), revelando que 2 Pedro estava sendo usada com grande respeito pelos cristãos coptas, em
época bem primitiva. Clemente de Roma, bem como a obra Pseudo-Barnabé, dos séculos I e II respectivamente, citam 2
Pedro. Temos, além disso, os testemunhos de Orígenes, de Eusébio, de Jerônimo e de Agostinho, do século III ao V. Aliás, há mais comprovações de 2
Pedro que de alguns clássicos do mundo antigo, como as obras de Heródoto e de
Tucídides. Finalmente, há evidências internas a favor da confiabilidade de 2 Pedro. Há na carta características e interesses doutrinários notadamente
petrinos. As diferenças de estilo são explicadas pelos conservadores com o fato
de Pedro ter utilizado secretários (escribas) diferentes ou de ele mesmo ter
escrito esta segunda carta.
2 e 3 João. As duas cartas mais curtas de João também foram alvo de
questionamento quanto à autenticidade. O escritor se identifica apenas como
"o presbítero"; por causa dessa questão autoral e de sua circulação
limitada, as cartas não gozaram de ampla aceitação, ainda que fossem mais
amplamente aceitas do que 2 Pedro. Policarpo e Ireneu haviam aceitado 2
João como confiável. O Cânon de Muratório e a Antiga Latina continham ambas. Todas as três epístolas joaninas aparecem
na lista que Atanásio elaborou de 27 livros do Novo Testamento (367 d.C.) e nas listas
ratificadas nos Concílios de Hipona (393) e Cartago (397). A semelhança em estilo e
em mensagem com 1 João, que havia sido amplamente aceita, mostrou
ser óbvio que as outras duas vieram do apóstolo João também (cf. 1Jo 1.1-4).
Quem mais seria tão íntimo dos primitivos crentes asiáticos, de tal modo que
pudesse escrever com autoridade sob o título afetuoso de "o
presbítero"? O termo presbítero (ancião) era usado como título pelos
demais apóstolos (v. 1Pe 5.1), pelo fato de denotar o cargo que ocupavam (v. At
1.20), enquanto apostolado designava o dom que haviam recebido (cf. Ef 4.11).
Judas. A confiabilidade desse livro foi questionada por alguns. A maioria
da contestação centrava-se nas referências ao livro pseudepigráfico de Enoque (Jd 14,15) e numa possível referência ao livro da Assunção
de Moisés (Jd 9). Orígenes faz ligeira menção desse problema em seu comentário de Mateus (18,30)
e Jerônimo declara especificamente ser esse o problema, em seu livro “Vidas de
Homens Ilustres” (cap. 4). No entanto, Judas foi suficientemente reconhecido
pelos primeiros pais da igreja. Ireneu, Clemente de Alexandria e Tertuliano aceitaram a confiabilidade desse livro,
como o fez o Cânon Muratório. As citações pseudopigráficas têm uma explicação, a qual se valoriza
muito pelo fato de tais citações não serem essencialmente diferentes das
citações feitas por Paulo de poetas não-cristãos (cf. At 17.28; ICo 15.33; Tt
1.12). Em nenhum momento os autores bíblicos estão autenticando a divindade destes escritos, tampouco as citações representam aprovação integral de
tudo que tais livros ensinam; os autores das cartas bíblicas meramente citam um
fragmento de verdade encravado naqueles livros. O Papiro Bodmer (p72),
recentemente descoberto, confirma o uso de Judas, ao lado de 2Pedro, na igreja
copta do século III.
Apocalipse. Ainda que
inicialmente este livro tivesse aceitação generalizada até o segundo século (Didaquê,
Pastor de Hermas, Papias, Ireneu, bem como pelo Cânon
Muratório), teve sua canonicidade posteriormente disputada,
provavelmente pela dúvida lançada por Dionísio de Alexandria,
seguido por Eusébio de Cesaréia, quanto à origem apostólica
do livro, devido ao que consideravam diferenças de estilo entre
ele e o Evangelho de João; o que o levou a atribuir o livro a outro João. Outro
fator foi a utilização do Apocalipse por parte dos heréticos montanistas e outras
seitas que enfatizavam a profecia e a proximidade da consumação. Mas essa
influência se desvaneceu quando Atanásio, Jerônimo e Agostinho ergueram-se em defesa do Apocalipse. Evidentemente que até os dias
atuais há muitas controvérsias quanto a interpretação de seu conteúdo
escatológico, mas nem antes e nem hoje se questiona a canonicidade deste
precioso livro que fecha o Cânon do Novo Testamento e a própria
Bíblia.
O cânon do Novo Testamento
|
||||
Evangelhos
|
Actos
|
Epístolas
|
Apocalipse
|
|
Mateus
Marcos
Lucas
João
|
Actos dos Apóstolos
|
De Paulo
Romanos
1 Coríntios
2 Coríntios
Gálatas
Efésios
Filipenses
Colossenses
1 Tessalonicenses
2 Tessalonicenses
1 Timóteo
2 Timóteo
Tito
Filemom
|
Católicas
Hebreus
Tiago
1 Pedro
2 Pedro
1 João
2 João
3 João
Judas
|
Apocalipse de João
|
Alguns apócrifos do Novo Testamento
|
|||
Evangelhos
|
Actos
|
Epístolas
|
Apocalipses
|
Do
século II
Dos Hebreus
Dos Ebionitas
Pedro
Proto-evangelho de Tiago
Papiro Egerton 2 (sem nome)
De
Nag-Hammadi (gnósticos)
De
João (apócrifo)
Da verdade (Valentim)
De Tomé
De Felipe
De Maria Madalena
Tardios
(séculos IV ao VI)
História de José o carpinteiro
Trânsito de Maria
Segundo Tomé (maniqueu)
De Mateus (apócrifo)
|
De
João
De
Paulo
De
Pedro
De
Tomé
De
André
De
Pilatos
|
Dos
Apóstolos
(Epistula apostolorum)
De
Paulo
3
Coríntios
Laodicenses
Correspondência entre
Paulo e Séneca
De
Pedro
Pregação
de Pedro
|
De
Pedro
De
Paulo
De Tomé
De João
De
Estêvão
Da
Virgem
|
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Guedes,
Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia
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VT
– Introdução Geral
VT
- Os Livros Pseudepígrafos
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