terça-feira, 23 de agosto de 2016

PROFETA OSEIAS: A Religião de Baal e os Israelitas

O deus canaanita Baal
            A questão da influência e envolvimento dos israelitas com as práticas religiosas da religião baalita tem duas fases distintas.  A primeira é quando eles conquistam Canaã e passam a morar lado a lado com diversos povos que já professam sua fé em Baal (lfb - dono, amo, senhor ou marido – plural: Baalim),[1] o deus mais adorado entre os fenícios-cananeus, responsável segundo eles pelas tempestades, chuva, névoa, o orvalho, que fecunda a terra e, portanto, responsável direto pela abundância das colheitas e manutenção da vida. Desta forma, Yahweh continuava sendo o deus salvador/libertador do povo israelita, mas quem supria suas necessidades materiais (colheita, pão, vinho, água e o linho) era Baal.
            Há aproximadamente 89 referências ao deus Baal no Antigo Testamento, além disso, se faz referência a outras divindades dos cananeus, incluindo a deusa da fertilidade Aserá (40 vezes), sendo representada nos postes de madeiras entalhadas representando uma figura feminina, sendo também descrita como “Rainha dos Céus” (tanto as colunas sagradas como os postes sagrados eram símbolos sexuais); outra figura feminina mencionada nos textos bíblicos é a deusa Astarte/Asterote (no grego, em hebraico, transliterado, temos Ashtoreth em ugarítico ‘Attart e em acádico As-tar-tu - 10 vezes), também vinculada à fertilidade, sexualidade e guerra, sendo muito popular nos cultos cananeus, sendo também adorada pelos assírios/babilônicos com o nome de Ishtar. No total, parece haver cerca de 139 referências claras às principais divindades cananeias nos escritos veterotestamentário.  
Logo após a morte de Josué, nos dias dos juízes, vai se tornando uma pratica comum compartilharem o culto à Yahweh com o culto prestado à Baal. Desta nova geração, o escritor de juízes escreveu:
Os israelitas fizeram o que era mau aos olhos do Senhor e adoraram Baal; e abandonaram o Senhor, o Deus de seus pais, que os tirou da terra do Egito; eles seguiram outros deuses, dentre os deuses dos povos que estavam ao redor deles, e inclinou-se para eles; e provocaram o SENHOR à ira. Eles abandonaram o Senhor, e adoraram Baal e os Astartes. (Juízes 2. 10-13).
Esta permanente relação dos israelitas com as divindades canaanitas e mais especificamente os cultos à Baal podem ser constatados nas referências textuais dos múltiplos lugares que são vinculados a esse deus canaanita:
baalberith ( "aliança Baal) era adorado em Siquém depois da morte de Gideão ( Juízes 8.33; 9. 4); Baal-Gade [Dono de Gade (Boa Sorte)] pode se referir a uma cidade ao sopé do monte Hermom, no vale do Líbano (cf. Jos 11.17; 12. 7; 13. 5); Baal-Hamon ("senhor da abundância ou riqueza ") é mencionado em conexão com uma vinha frutífera pertencente a Salomão (Cântico dos Cânticos 8:11 ); 4) Baal-Hermom (" Baal-Hermon ") pode ser outro nome para Baal-Gade, talvez localizado no norte de Israel perto do monte Hermon; Baal-Peor ( "Baal-Peor") era o deus das montanhas de Moabe (Monte Peor) que tomaram seu nome e os israelitas se envolveram com esse culto moabita e por causa disso 24.000 israelitas foram mortos por Deus ( Números 25. 1-9; Dt 4. 3); Baal-Zebube (“Senhor das moscas” ou como alguns explicam, um deus considerado como provendo oráculos pelo voo ou pelo zumbido duma mosca. — 2Rs 1.2); Acazias, rei de Israel, enviou mensageiros para indagar de Baal-Zebube se ele se restabeleceria de seu grave ferimento. Yahweh, por meio do seu profeta Elias, censurou Acazias, dizendo: “É porque não há nenhum Deus em Israel que mandas consultar a Baal-Zebube, deus de Ecrom? Portanto, no que se refere ao leito ao qual subiste, não descerás dele, porque positivamente morrerás. ” — 2Rs 1.2-8.
As famílias ofereciam seus cultos à Baal em nome de Yahweh em uma espécie de sincretismo religioso. Para qualquer outro povo isso seria perfeitamente normal, todavia, quando se trata de Yahweh, que exige exclusividade de seu povo, torna-se um grave problema a ser resolvido.
            Nos dias de Davi essa anomalia religiosa não só continuou como foi sendo cada vez mais assimilada pelo povo em geral como elementos da religião de Israel. Crabtree (1960, p. 21) concluiu sobre essa simbiose religiosa:
Não houve distinção entre os cananeus subjugados e absorvidos pelo reino de Davi e os próprios israelitas. Assim não é possível determinar as superstições e as práticas religiosas que o povo de Israel recebeu dos cananeus misturados com os israelitas. Mas o profeta Oséias nos declara que os israelitas não sabiam que os frutos que ofereciam a Baal eram recebidos do Senhor Deus de Israel.
            No reinado de Salomão, com sua política esquizofrênica de estabelecer relações diplomáticas com todo tipo de nações, através de alianças conjugais, escancarou a nação israelita à toda sorte de religiões. Cada “esposa” trazia consigo suas práticas religiosas e seus respectivos deuses, transformando uma nação “monoteísta” em um panteão de deuses.
            Como se diz popularmente, quando se pensa que não pode ficar pior, sempre piora, torna-se uma realidade em Israel. Com a divisão do reino os nortistas assumiram o nome Israel, enquanto os sulistas assumiram o nome Judá.
            Quando do reinado de Onri ele resolver estabelecer uma aliança com os fenícios, para consolidar sua posição e fortalecer seus laços comerciais. Para isso ele recorre à velha prática de aliança conjugal, casando seu filho Acabe com a princesa fenícia Jezabel filha de Etbaal, um rei profundamente envolvido com o culto à Baal. Jezabel unificava os hábitos imorais e crueldade oriental com a força agressiva dos fenícios (povo de Tiro) bem como a belicosidade religiosa selvagem do seu pai. Ao se mudar para Israel a princesa traz consigo o culto à Baal e seus sacerdotes, introduzindo nas entranhas da nação este culto idolatra que produzira consequências funestas e será combatido sistematicamente por Elias, Eliseu e todos os demais profetas do Reino do Norte. Essa princesa fenícia tornou-se uma figura funesta na história israelita. Manipulou desde o princípio seu marido Acabe (IRs 21.25); seus atos de perversidade tornaram-se proverbial em Israel (2Rs 9.22) e seu nome se constituiu em sinônimo de uma religião rejeitada por Deus (Ap. 2.20). A situação ficou tão caótica nos dias  Acabe/Jezabel que o culto à Yahweh quase foi suprimido totalmente no Reino do Norte, restando em todo o reino apenas sete mil que não se prostraram à Baal. Foi neste momento que o profeta hebreu Elias lança seu famoso desafio aos profetas de Baal no Monte Carmelo em I Reis 18, quando ele desafiou os falsos profetas para fazer descer fogo do céu. Quando os profetas de Baal não conseguiu fazer isso, o Deus de Elias fez, resultando na matança dos profetas de Baal por uma multidão enfurecida. Mas a adoração deste deus não será tão facilmente extinta.
            Apesar de todo o esforço do profeta Elias, o baalismo continuava encrustado na mente e coração dos israelitas. Tanto Oséias quanto seu antecessor Amós fazem a mesma leitura sobre a religião praticada pelos israelitas nos dias de Jeroboão II, que encantados com a prosperidade material foram sendo cada vez mais atraídos pela religião sensualista do baalismo em detrimento de seu afastamento paulatino do culto de Yahweh.
            O profeta Oséias natural do Reino do Norte, mais do que seu colega que era do sul, testemunha dia-a-dia a perda do entendimento da santidade, da justiça e do amor à Deus por parte da sociedade israelita. Estavam tão seduzidos pelos trios elétricos baalitas que se tornaram insensíveis aos seus próprios pecados e à sua própria apostasia. Iludidos pelos seus sacerdotes (4.1-9; 5.1-9), atribuíam à Baal os mesmos conceitos de Yahweh, imaginando que os sacrifícios, cultos cerimoniais e festas regadas à toda sorte de orgias, seriam aceitas por Yahweh (a expressão bem brasileira “me engana que eu gosto” cabe bem aqui).
            Nos dias de Oséias os princípios da Aliança haviam sido lançados no limbo do esquecimento. O conhecimento sobre o caráter de Deus tinha se perdido; o povo iludido pelos sacerdotes achava que podiam comprar o favor de Deus com ofertas e cultos de bajulação. Paralelamente ao culto à Yahweh, eles mantinham seus altares aos Baalins espalhados por todo o Reino do Norte no reinado de Jeroboão II (4.13; 10.1-2; 8.11); traziam ofertas para obter a fertilidade dos campos e o aumento dos rebanhos (2.13; 11.2); achando que estavam prestando um serviço aceitável ao Senhor (5.6; 8.2), entretanto, apenas multiplicavam seus pecados (8.11).

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

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Referências Bibliográficas
BRIGTH, J. História de Israel. São Paulo: Ed. Paulus, 1980.
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia, v. 1. São Paulo: Hagnos, 2006.
CRABTREE, A. R. O livro de Amós. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1960.
HOFF, Paul. Os livros históricos. São Paulo: Ed. Vida, 2003.
LASOR, William S., HUBBARD, David A. e BUSH, Frederic W. Introdução ao antigo testamento. Tradução: Lucy Yamakamí. São Paulo: Edições Vida Nova, 1999.
MILLARD, Alan. Descobertas dos tempos bíblicos. São Paulo: Ed. Vida, 1999. REED, Oscar F. O livro de Oséias. Rio de Janeiro: CPAD, 2005. [Comentário Bíblico Beacon, v. 5].
ROBINSON, Jorge L. Los doce profetas menores. Texas: Casa Bautista de Publicciones, 1982.
SICRE, José Luís. Profetismo em Israel – o profeta, os profetas, a mensagem. Tradução: João Luís Baraúna. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.
TENNEY, Merrill C. (Org.) Enciclopédia da bíblia – cultura cristã, v. 1. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2008.



[1] A principal fonte de informação a respeito do deus são as tábuas descobertas em Ras Shamra, localidade do norte da Síria situada onde existiu o antigo reino de Ugarit, que se desenvolveu em meados do segundo milênio antes da era cristã. A descoberta dos arquivos ugaríticos teve grande importância para o estudo bíblico, pois estes arquivos forneceram pela primeira vez uma descrição detalhada das crenças religiosas canaanitas durante o período diretamente anterior à colonização israelita. Estes textos mostram paralelos significativos com a literatura hebraica bíblica, particularmente nas áreas do imaginário divino e da forma poética. A poesia ugarítica tem diversos elementos encontrados posteriormente na poesia hebraica: paralelismos, métricas e ritmos. As descobertas de Ugarit levaram a uma nova apreciação do Velho Testamento como literatura. Nesse endereço eletrônico você encontrara uma tradução completa do “Épico de Baal” http://documentofantastico.blogspot.com.br/2011/05/textos-ugariticos.html

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