Observações iniciais
Ficaremos
duplamente surpresos com as pessoas que são nomeadas nesta Galeria da Fé...
Primeiro
veremos nomes que em nossa opinião (imperfeita) não deveriam estar ali de
maneira alguma....
Segundo
sentiremos falta de muitos nomes que deveriam estar ali sem duvida alguma...
Esclarecimentos
Primeiramente
é preciso lembrar de que os subtítulos encontrados em nossas bíblias, seja no
Primeiro como no Segundo Testamentos não fazem parte dos textos originais, que
fazem a distinção de temas apenas com a utilização dos parágrafos ou perícopes.
Esses subtítulos foram incorporados nos textos bíblicos com o intuito de
facilitar sua leitura por leitores “modernos”, mas que em muitas ocasiões
chegam confundir o propósito do escritor, pois acabam “picotando” o texto
original, separam o que ele não pensou em separar. Portanto, o subtítulo
“Galeria da Fé” ou similares, não são prejudiciais em si, mas pode, como acaba
fazendo, trazendo uma ideia moderna, para o propósito original do escritor.
Segundo,
o autor, que nem mesmo se auto identifica, não tinha como objetivo nomear todos
os personagens do AT, e de maneira alguma ele seleciona com base em critérios
meritórios, pois nem os melhores dos melhores dos que são citados são dignos de
estarem ali, pois todos, indistintamente, pecaram de maneira que não há um
justo sequer. Portanto, se fosse por méritos próprios nenhum nome poderia ou
deveria ser mencionado.
Qual Critério o
Escritor Utiliza?
O
que o autor de Hebreus deseja e revela com muita clareza é que o único
mérito pelo qual essas pessoas e cada um de nós são incluídos na Galeria da Fé
é única e exclusivamente a GRAÇA DE DEUS. Uso letras maiúsculas para chamar
atenção do leitor para este fato fundamental. Nem Moisés ou Abraão, nem Sara ou
Raabe são aqui mencionados por méritos próprios, mas somente por causa do amor
imensurável de um Deus maravilhosamente gracioso.
Um
dos maiores equívocos que os leitores bíblicos crentes (porque há muitos não
crentes que a leem), é de transformar, por livre vontade, estes personagens em super-heróis,
mas na verdade eles são tão somente homens e mulheres pecadores que foram
alcançados pela graça e capacitados pelo poder que emana de Deus, para
realizarem o que realizaram.
Não
desejo com essas breves e pobres palavras introdutórias minimizar ou diminuir
tais personagens, mas unicamente colocá-los em seus devidos lugares de seres
humanos, limitados e falhos, que foram incluídos, pela graça, no propósito
redentor de Deus para todos nós.
Esta
Galeria se constitui na verdade em um espelho de todos os crentes em todas as
épocas e lugares. Todo aquele que foi alcançado pela graça do Pai,
lavado pelo sangue remidor do Filho e vivificado pelo Espírito Santo,
está ali representado. Alguns dentre nós terão um papel mais contundente e
outros papeis de menor expressão no plano redentor de Deus, mas assim como
eles, cada um de nós somos feitos preciosos aos olhos de Deus e instrumentos
indispensáveis no desenvolvimento de Seu propósito Eterno. Assim como Jonas
e Pedro nenhum de nós somos dispensáveis em decorrência de nossos erros
e falta de fé, pois é Deus quem nos chama, capacita e nos usa paraa o louvor de
Sua glória. Amém!
Um
dos objetivos desta série de artigos é destacar os nomes que foram nominados
nesta Galeria de Deus, e possibilitar um aprendizado com os acertos e erros
destes irmãos do passado, de maneira que possamos imitar seus acertos e
evitarmos seus erros. É desta forma que crescemos na graça e no conhecimento e alcançamos
a estatura perfeita de Cristo Jesus.
Me. Rev. Ivan P. Guedes
Esta
epístola é escrita na forma "paranética" ou "hortatória",
indicando que o objetivo principal do escritor é a de exortar, encorajar ou
orientar/ensinar, seus leitores. Visando alcançar seu objetivo primário, opta
por fazê-lo de forma ilustrativa, destacando então a lista com nomes históricos
conhecidos dos leitores originais (e daqueles que leem os textos
veterotestamentários).
Ele
inicia o texto definindo o que é a fé cristã (há vários outros tipos de fé) e depois
ele oferece uma variada galeria de homens e mulheres que de alguma forma (como
Sansão, Ló) manifestam está fé. O primeiro nome mencionado é o de Abel,
o segundo filho gerado por Adão e Eva. Equivocadamente, o primeiro casal coloca
suas esperanças no primeiro filho – Caim. Mas para decepção deles as atitudes
de Caim foram lamentáveis, culminando com o assassinato de seu próprio irmão
Abel. Aqui temos uma lição primária – cuidado onde colocamos nossas esperanças!
Mas
o modelo não é Caim, e sim Abel seu contraponto, portanto, aprendamos com ele. Que
agrade ao Espírito da Verdade nos ensinar os princípios aqui estabelecidos
através da vida de Abel.
Hebreus 11.4 - Pela
fé Abel ofereceu a Deus um sacrifício melhor do que Caim, pelo
qual obteve testemunho de que era justo, testificando Deus dos seus dons, e
pela fé, estando morto, ainda assim fala.
Este
verso tem sido motivo de ampla e interminável debate, mas creio que não precisa
ser deste modo. Aqui temos elementos que são vitais - o tipo de oferta e
o tipo de ofertante, podemos assim dizer. Aqui devemos nos lembrar de
que a revelação de Deus é progressiva e de que estamos nos primórdios da
desconexão do ser humano de Deus provocada pelo pecado. Portanto, não temos
quaisquer registros de uma especificação do que e do como se deveria prestar culto
a Deus. Podemos advogar que o tipo de oferta era determinante, mas isso fica
muito mais no campo interpretativo, do que efetivo. No primeiro caso parte-se
da premissa de que Deus havia revelado a Adão e seus descendentes que a única
maneira de se aproximar Dele deveria ser feito por meio de um sacrifício de
sangue. Entretanto, falta embasamento bíblico textual antecedente onde podemos
explicitamente fundamentá-la, ainda que não seja em hipótese alguma improvável
que possa ter sido desta forma.
Mas
creio que o ponto central do escritor de Hebreus seja destacar aqui o tipo
de ofertante, visto que ele já havia tratado anteriormente do tipo de
oferta agradável a Deus e que satisfaz sua perfeita justiça, demonstrando
abundantemente de que os sacrifícios veterotestamentários apontavam
exclusivamente para o sacrifício suficiente e eficiente de Jesus Cristo.
Aqui
em Hebreus 11.4 lemos que Abel ofereceu pela fé. O próprio
escritor de Hebreus havia declarado de que para se aproximar de Deus é
necessário fé/crer que ele não somente existe, mas que se relaciona com aqueles
que Nele creem. Nada sabemos sobre a motivação ou razão pela qual Caim resolveu
sacrificar ao Senhor, mas o texto é muito claro em demonstrar que a razão pela
qual Abel oferece seu sacrifício é porque depositava sua fé/confiança em Deus e
desta forma deseja expressar seu desejo de se relacionar com Ele.
O
escritor deixa claro de que a justiça e/ou justificação de Abel é decorrente do
fato de que ele creu, e não em decorrência do tipo de oferta que ele
apresentou. O ap. Paulo concorda plenamente ao declarar que “o justo é
justificado [salvo] pela fé” (Rm 1.17; Gl 3.11; cf. Hc 2.4) e jamais, em
hipótese alguma pelas obras/pelas ofertas apresentadas. Ao afirmar que Abel
apresenta uma "oferta melhor" era decorrente de sua fé, em
perfeita harmonia com o arrependimento, onde reconhece seus pecados e recorre à
misericórdia e graça perdoadora de Deus.
É
significativo, portanto, que a escolha do escritor tenha sido a de nomear Abel como
o primeiro exemplo desta Galeria, tendo em vista que sua salvação é decorrente
da fé,
implicando que, o escritor e seus leitores, assim como nós, somente seremos
salvos mediante a fé e não pelo que podemos vir a oferecer a Deus. Parafraseando
Paulo...ainda que pudesse oferecer o mundo inteiro a Deus, se não tiver fé
de nada valeria. Pela fé Abel ofereceu a Deus um sacrifício mais excelente
do que Caim. O que tornou o sacrifício dele aceitável não foi sua quantidade,
mas sua qualidade.
Mas
alguém pode perguntar: o que é essa fé? No contexto bíblico fé, do grego
“pistis”,
é sinônimo de crer ou confiar e em sua conexão com Deus, é a convicção de
que Deus existe e é o Criador e Governante de todas as coisas, bem como o
Provedor e Doador da salvação eterna por meio de Cristo. Mais ainda, a fé
bíblico-cristã se relaciona com Jesus Cristo, de que Ele é o Messias, do qual
fala toda literatura veterotestamentária e que se revelou plenamente Nele, por
meio de quem obtemos a salvação eterna e somos permitidos a adentrarmos no
Reino dos Céus. Resumidamente – a nossa salvação é por Cristo e em Cristo
somente.
Abel (cf. Gên
4.2, 4, 8, 9, 25, Mt 23.35, Lc 11.51, He 11.4, He 12.24) o nome hebraico
significa “fôlego, vapor/brisa”, indicando a brevidade de sua vida e um
representativo da própria vida humana decaída, mais especificamente pós diluvio
(cf Tg 4.14, Sl 37.2, 90.5; 92.7, Is 40.6, 7, 8, 1Pe 1.24). Neste aspecto Abel
nos representa em grau, gênero e número, pois a nossa vida não passa de um
breve pensamento e nossos dias passam velozmente.
O
escritor declara que Abel ofereceu um “sacrifício melhor - mais excelente”.
Observemos que no sistema sacrificial estabelecido por Deus, todo sacrifício
deveria fornecer um aroma perfumado e ser aceitável a
Ele. Isto implica que o indivíduo deve fazer sua oferta com a atitude correta
de coração, para ser agradável a Deus.
A
reação negativa e posteriormente violenta de Caim (He 11.16, cf. Gn 4.5)
revelam em grau, gênero e número que seu coração estava muito distante de
refletir sua oferta. Como todo religioso ele estava mais preocupado consigo
mesmo (provavelmente de receber as “bençãos” de Deus), do que com a glória de
Deus. As consequências posteriores dele, que levou ao assassinato de seu irmão,
revelam sua resistência em se submeter a Deus. O religioso quer comprar o favor
de Deus, mas rejeita o senhorio de Deus sobre sua vida. Como tão bem declara o Dietrich
Bonhoeffer[1] barateamos (vulgarizamos,
desvalorizamos) a graça maravilhosa de Jesus, e o fazemos todas as vezes que
rejeitamos aberta ou veladamente a soberania de Deus sobre nossa história.
Resumindo,
sua oferta foi rejeitada por causa de seu coração orgulhoso e uma atitude
autossuficiente. O que se harmoniza com o contexto da epistola, onde o escritor
repetidamente adverte seus leitores (e a nós) contra possuir “um
coração mau de incredulidade”.
Um
contraponto aqui foi a rejeição da parte de Deus dos milhares de sacrifícios
oferecidos pelos israelitas nos dias do profeta Isaias, leiamos as palavras de
Deus através de Seu profeta: “Esse povo oferece culto a mim com a boca e me
louva com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (29.13).
Portanto, continua Deus, estou enojado desse comportamento hipócrita e rejeito
toda e quaisquer ofertas deles. De maneira que se assemelham aos moradores de
Sodoma e Gomorra, ao final receberão, não as bênçãos, mas a Minha ira e o Meu juízo
sobre eles.
A
questão aqui envolvendo Abel e Caim tem implicações muito mais profundas do que
apenas dois irmãos e duas forma de adorar a Deus. É uma questão de vida e
morte, de salvação e condenação eterna. E o mais terrível é que nos
assemelhamos a um ou ao outro – jamais a ambos.
Uma
das frases mais contundentes na bíblia está relacionada à vida de Abel, mais
propriamente à sua fé: embora ele esteja morto, ele ainda fala.
E
o mais impressionante ainda é que não temos uma única palavra pronunciada pela
boca de Abel registrada nas Escrituras (o que nos arremete à vida de lazaro o
qual igualmente não temos uma única palavra dele, todavia a sua ressurreição
pelo poder vivificador de Cristo ainda impacta nossas vidas).
Vivemos
em uma época em que todos falam o tempo todo, sobre qualquer coisa e até sobre
nada, pois o importante é falar...Abel e Lazaro se contrapõem a essa pressão midiática.
Eles falaram e continuaram a falar mesmo depois de mortos. O maior sermão que
podemos pregar nesta Sociedade doente e doentia é aquele que vivenciamos em
tudo que fazemos. O que está Sociedade corrupta e corruptora precisa ouvir são
vidas transformadas pelo poder do Espírito Santo.
A
pregação desconectada de uma vida nova, é como a semente caída à beira da
estrada, entre espinheiros e pedregais – não produz vida, conversão. Somente a
pregação/ensino ilustrado na vida cotidiana verdadeiramente germina e produz
frutos em abundância.
Abel
falava com sua vida! Suas ações obedientes e fiéis falavam tão alto que seu
irmão Caim teve que calá-lo com a morte. Daniel e seus três amigos, mesmo
vivendo em meio à depravação babilônica, falavam tão alto em seu compromisso
com Deus, que impactaram Nabucodonosor e todos aqueles que conviviam com eles. Os
três rapazes mesmo diante de toda pressão “legal” para que se curvassem diante
da estatua do rei, mantiveram-se em pé. Suas poucas palavras apenas confirmaram
sua fé exclusiva (jamais inclusiva) em Yahweh. Deus honrou os três jovens, como
o fez com Daniel e antes havia feito com Abel.
Devemos
pregar o Evangelho, como diz Paulo, a tempo e a fora de tempo – mas esse
Evangelho pregado com a boca, deve ser amalgamado em tudo que fazemos em nossa
vida diária. A luz não tem boca, mas quando resplandece é impossível não a ver
e não a perceber. Em uma noite totalmente escura, um único fosforo, ainda que por
breve segundos é visto por todos que estejam próximos. Um mínimo de sal em um
alimento é sentido por todos os que dele comerem. Há uma frase extraordinária
em relação aos mártires cristãos que eram lançados nas arenas romanas para
serem trucidados pelos gladiares violentos e sanguinários ou por bestas feras
famintas: “O sangue dos mártires foi a sementeira do Evangelho”.[2]
Esta
foi uma das razões pelas quais o escritor inicia sua Galeria com um exemplo
contundente daqueles que não negam a sua fé. A perseguição contra os cristãos
aumentava em intensidade (inicialmente por parte dos judeus), mas
posteriormente o Cristianismo se tornara um problema do Império e leis cada vez
mais contundentes serão produzidas nas sombras dos poderes constituídos (qualquer
semelhança com a nossa realidade hoje não é mera coincidência). Ainda no
primeiro século ser cristão tornou-se símbolo de martírio. Centenas e milhares
serão mortos sem dó e sem piedade, pelo sistema corrupto alavancado pelas
potestades infernais. Uns versos antes o escritor declara: "não somos
dos que retrocedem para a destruição, mas dos que têm fé para a preservação da
alma" (Hb 10.39). Certamente havia muitos cristãos que estavam sendo
tentados a retornarem para a “segurança legal” do judaísmo, e um modelo de fé
como apresentada por Abel certamente estimularia os cristãos a manterem a
integridade de sua fé em Cristo Jesus, mesmo diante da sombra da morte, que
pairava sobre suas vidas.
Por
fim, Abel continua nos falando, pois a medida de nossa vida não é
necessariamente o tempo de sua duração (pouco ou muito). Do ponto de vista
humano a vida de Abel foi desperdiçada, pois ele morreu relativamente jovem
(para os padrões da época). Todavia, inumeráveis
gerações têm olhado para sua fé e aprendido com ele a enfrentar as adversidades
da vida e até mesmo a morte e ele e não seu irmão alcançou o verdadeiro
sucesso.
Quando morrermos qual será a nossa mensagem para a família,
amigos e demais que conviveram conosco e aqueles que nos conheceram?
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[1]
Ele foi um teólogo e pastor luterano alemão, conhecido por sua resistência ao
regime nazista e por suas contribuições teológicas significativas. Ele nasceu
em 4 de fevereiro de 1906 em Breslau, Alemanha (atualmente Wrocław, Polônia), e
foi executado em 9 de abril de 1945 no campo de concentração de Flossenbürg.
[2] Frase
atribuída a Tertuliano, um dos primeiros escritores cristãos. Ele escreveu essa
frase em sua obra "Apologético" (Apologeticum), especificamente no
capítulo 50, versículo 13.
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