Este é um termo eminentemente joanino
epistolar (1João 2.18; 2.22 e 4.3; 2João 1.7). Primeiramente é preciso
corrigirmos o equívoco de que o velho apostolo esteja se referindo alguma
figura unicamente escatológica relacionado à Parousia e/ou Segunda Vinda de
Jesus Cristo. Em suas epístolas o anticristo uma figura presencial, uma
realidade ativa que os cristãos devem rejeitar e confrontar com discernimento e
fidelidade.
“Anticristo” é uma
palavra nova, provavelmente cunhada pelo apostolo João.[1] No singular, torna-se um
personagem que atuará mais enfaticamente no mundo no momento da Vinda do Senhor
(1João 2.18, 43). Ele negará que Jesus é o Cristo (1João 2.22). Ele é o
Enganador (2João 1.7). O apostolo utiliza o plural como que indicando que
surgirão muitos anticristos (1João 2.18), até à Volta de Cristo. Portanto,
querer identificar um único Anticristo, como foi muito popular na década de 70,
é um equívoco exegético-hermenêutico.[2]
É
um termo composto por uma preposição – anti -, que aqui indica
duas possibilidades: ser “contra”, ou ainda, “em vez de”. Assim,
este elemento se constitui em um “pseudocristo”, um “falso Cristo” (em vez de), mas
também traz a ideia de um opositor ao verdadeiro Cristo (“contra”).
Desta forma o Anticristo afirmar que ele mesmo é Cristo e/ou
afirma que não há Cristo.[3]
De
maneira que este termo grego “anticristo” pode estar fazendo referência a uma
pessoa e/ou ser maligno que não está apenas lutando contra Jesus,
mas que empreende todo seu esforço e poder para alcançar a mesma posição que
Jesus. De maneira que, sua pretensão é a de ser um “Cristo substituto”. No
Apocalipse essa figura almeja receber a adoração que somente Jesus Cristo
recebe. Aqueles que rejeitam a Cristo adorarão o Anticristo como sendo
um deus (“todos os que habitam na terra o adorarão” – Ap. 13.7-8).
O
apostolo Paulo o identifica pela expressão “o Homem do Pecado”, um
impostor que se assenta no Templo de Deus, na verdade um pseudo - do grego (ψευδής) “falso"
ou "enganoso" (cf. segundo capítulo de Tessalonicenses).
A
Didaquê, um documento cristão que não foi incluído no Canon, interpreta que a
manifestação (ou como vimos) a proliferação de Anticristos, anuncia a
proximidade da Segunda Vinda do Senhor e que ele vem caracterizado como o
Cristo e/ou o Filho de Deus (Did. 16[4]).
Alguns
dos primeiros estudiosos cristãos (Orígenes, Tertuliano, Teofilato) entendiam
que o Anticristo não era tanto um impostor quanto o um opositor
(inimigo de Deus, portanto dos cristãos e da Igreja). Desta forma, para eles e
muitos cristãos que foram perseguidos e mortos, primeiramente pelo Império e
posteriormente pela própria Igreja Romana, o(s) Papa(s) encarnavam essa figura
do Anticristo.
Em
vários momentos distintos da História Cristã essa figura foi identificada com
os mais terríveis personagens, como Hitler. Mas não devemos limitar uma figura
tão significativa à curta vida de qualquer geração em particular. Certamente
não é a melhor hermenêutica-exegética vincularmos esse terrível personagem
bíblico a uma única figura, por mais terrível e destrutiva que ela seja.
A
Bíblia, como um GPS, nos fornece as diversas direções em que ele se move, e
sempre com acuidade e bom senso podemos identificar para incidentes históricos
isolados como sinais de suas ações maléficas. Neste sentido é possível
identificarmos características de Anticristo em um líder e em um governo
déspota auto deificado (cf. Ap 13), pois muitos anticristos aparecerão. O que
não estamos autorizados a fazer é definir que este ou aquele é o Anticristo
definitivo.
Nos
dias atuais, não faltam figuras diversas que se apresentam como capazes de
estabelecer na terra uma ordem social ideal, um salvador alternativo, um
Anticristo. Isso representa uma distorção severa da escatologia cristã genuína,
uma fé secularizada fundamentada no poder econômico, tecnológico e científico,
que busca construir na terra uma nova ordem para a sociedade humana (exemplo
disso é o grupo que orbita em torno do magnata Soros). Esses elementos, quando
comparados ao Senhor Jesus Cristo, o verdadeiro Salvador e Senhor do mundo, são
tanto "pseudo" quanto "anti".
Aventurar-se
pelas especulações e interpretações dos termos, sem um estudo criterioso de seu
contexto exegético-hermenêutico, tem produzido elaborações absurdas e
antibíblicas, que tem surgido ao longo dos séculos e continuam a atrair
cristãos neófitos ou despreparados no estudo sério das Escrituras. Além disso,
essas elaborações também seduzem religiosos que se dedicam apenas a discussões
frívolas e estéreis. Consequentemente,
surgem conjecturas, suposições e hipóteses fundamentadas em evidências
insuficientes, meros palpites ou simples deduções.
Mediante
a tudo que vimos a conclusão de Warfield é a mais coerente na harmonia das
referências bíblicas: "O Anticristo não é um fenômeno futuro, mas um
fenômeno presente; não uma coisa a ser esperada com pavor sem nome, mas uma
coisa a ser corajosamente enfrentada em nossa vida cotidiana. João faz essa
afirmação com a máxima ênfase (iv. 3), p. 72”. Essa é a principal questão do
tema do "anticristo" joanino.
Utilização
livre desde que citando a fonteGuedes,
Ivan PereiraMestre
em Ciências da Religião.Universidade
Presbiteriana Mackenzieme.ivanguedes@gmail.comOutro
BlogHistoriologia
Protestantehttp://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
Referências
Bibliográficas
TURNER,
Nigel. Christian Words. Edinburgh: T. & T. Clark Ltd., 1980.
WALLACE,
Daniel. Greek Grammar Beyond the Basics (Grand Rapids, Michigan: Zondervan,
1996. p. 364.
WARFIELD,
Benjamin B. “Antichrist” in John. E. Meeter, ed. Selected Shorter
Writings of Benjamin B. Warfield Volume I. (Nutley, New Jersey: Presbyterian
and Reformed Publishing Company, 1970. 356.
Verbete
– Antichrist. The Interrprete’s Dictionary of the Bible. Abingdon Press:
Nashville, 1996.
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AMÉM
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[1]
Estudiosos tem empreendido pesquisas nas literaturas judaicas antigas, todavia,
não encontram substancialmente relações diretas deste termo. Nas fontes
judaicas, o messias tem oponentes políticos, mas a figura do Anticristo cristão
é eminentemente uma figura religiosa. B. B. Warfield observou: "O
Antigo Testamento não nos diz nada sobre o Anti-Messias. Não foi descoberto em
nenhum dos fragmentos da literatura judaica pré-cristã que chegaram até nós”. (WARFIELD,
1970, p.356)
[2]
Todo o período entre a primeira e a segunda vinda de Jesus é chamado de
"última hora" e "últimos dias". Ver Atos 2.17; 2 Timóteo 3.1;
Hebreus 1.2; 1 Pd 1.20 (cf. 1 Cor. 10.11). Assim, a "última hora" em
1 João 2.18 não é uma referência aos últimos dias que precedem o retorno de
Cristo, mas uma referência a toda a era da igreja em que vivemos agora.
[3]
De acordo com Daniel Wallace, a preposição anti tem dois significados básicos e
um discutível. Pode expressar substituição (em vez de, no lugar de); pode
expressar troca/equivalência (para, como, no lugar de); e também pode expressar
causa (por causa de), embora esta última categoria seja debatida. (WALLACE, 1996,
p. 364).
[4]
“Então o sedutor do mundo aparecerá, como se fosse o Filho de Deus, e fará
sinais e prodígios. A terra será entregue em suas mãos e cometerá crimes como
jamais foram cometidos desde o começo do mundo”.
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