O dia amanheceu ensolarado, o que o despertou cheio de ânimo. Verificou seu guarda-roupa e escolheu o que considerou ser a roupa mais adequada para aquele dia, que prometia ser de calor intenso.
Enquanto tomava seu café matinal, examinou a agenda de compromissos para o dia,
que incluía algumas atividades importantes. Mentalmente, enquanto saboreava o
desjejum, foi alinhando diversos pontos que deveriam ser abordados em seus
encontros de negócios.
Apesar de
ter diversas pessoas à sua disposição, sabia muito bem que algumas coisas
deveriam sempre ser tratadas por ele. Lembrava-se constantemente de um ditado
dito por seu velho pai: “Os olhos do dono engordam o rebanho.”
Ele mesmo conhecia histórias tristes de amigos e conhecidos que deixaram seus
bens nas mãos de outrem e acabaram enganados e roubados. Trabalhou muito para
conquistar tudo o que tinha e não pretendia deixar tudo se perder facilmente.
Gostava de acordar cedo e aproveitar o tempo da refeição matinal para se
inteirar dos últimos acontecimentos do dia, ouvindo seus diversos serviçais,
que os coletavam enquanto realizavam suas atividades cotidianas.
Foi então
que tomou conhecimento de um rabino que estava em evidência nos últimos dias e
que passaria pelas proximidades de onde morava. Diziam que ele atraía multidões
e que suas palavras eram cheias de sabedoria.
Apesar de ainda jovem, interessava-se profundamente por assuntos religiosos.
Crescera, como todo judeu, aprendendo sobre a Torá, e sabia de memória muitos
trechos dela, incluindo os chamados Dez Mandamentos.
Como um bom cidadão judeu, frequentava com regularidade as reuniões na sinagoga
mais próxima. Tinha afeição e admiração pelos diversos rabinos que ali passavam
e explicavam os textos sagrados. Ouvia-os com avidez e com o desejo sincero de
ajustar sua vida às normativas divinas. Considerava-se uma pessoa boa e
cumpridora de suas obrigações religiosas, familiares e sociais.
Então, chamando um de seus serviçais, pediu que descobrisse qual caminho aquele
famoso rabino utilizaria e em que momento do dia ele passaria pelas
proximidades. Uma curiosidade crescente começou a ocupar sua mente.
Precisava
conversar com aquele homem sábio. Quem sabe poderiam trocar experiências,
afinal, ele não era um neófito no que dizia respeito à Torá e ao judaísmo.
Após algumas horas, o serviçal retornou informando que, segundo suas pesquisas,
o famoso rabino estaria se aproximando entre a 9ª hora (15 horas) e a 11ª hora
(17 horas).
Excelente, pensou ele. Haveria tempo para se organizar, resolver algumas
questões e sair para encontrar-se com essa pessoa. Ordenou ao serviçal que
ficasse atento e o avisasse quando o eminente rabino estivesse próximo.
Já era a
10ª hora do dia quando o serviçal entrou apressado e ofegante, avisando que o
rabino estava se aproximando da região.
Rapidamente, ele cingiu-se de sua vestimenta pública, colocou dois de seus
anéis preferidos, além de dois cordões de ouro — usados apenas em ocasiões
muito especiais, especialmente em recepções de autoridades. Afinal, queria
causar uma boa impressão. Então saiu, acompanhado pelo serviçal.
A uma
distância razoável, percebeu a movimentação de um grupo de pessoas. Pelo ritmo,
deduziu que acompanhavam a caminhada de alguém importante. O serviçal então lhe
disse:
— É o rabino, acompanhado de seus discípulos e de algumas pessoas da vila que
desejam vê-lo e ouvi-lo.
Aguardou
mais alguns instantes e, em seguida, começou a caminhar em sua direção.
Enquanto
se aproximava, não percebeu nada de especial na roupa ou na aparência daquele
homem que o identificasse como um famoso rabino. Pareceu-lhe alguém comum, até
mesmo extremamente humilde. Seria, de fato, esse o rabino tão comentado? Teria
ele algo a aprender com essa pessoa?
Posicionou-se
próximo ao grupo em movimento e, com educação e reverência, saudou o mestre. Em
seguida, proferiu uma pergunta mais retórica que inquisidora:
— Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?
O som da
pergunta teve o efeito imediato de interromper a caminhada. Um breve silêncio
se formou.
Todos os olhares agora se voltaram ao Mestre, centro das atenções.
Como reagiria? Qual seria sua resposta?
Então
Jesus olhou para aquele jovem e lhe respondeu com uma pergunta:
— Por que me chamas bom?
Em
seguida, completou:
— Ninguém é bom, senão um: Deus.
O jovem
inquiridor certamente não compreendeu completamente aquela resposta, mas
manteve-se em silêncio.
Ainda olhando nos olhos do rapaz, Jesus perguntou:
— Você conhece os mandamentos?
Referia-se
às duas Tábuas da Lei. E começou a citá-los:
— Não matarás; Não adulterarás; Não furtarás; Não darás falso testemunho;
Honra teu pai e tua mãe; Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
A
resposta do jovem veio rápida, demonstrando um certo alívio:
— Sim, Mestre. Não apenas os conheço, como tenho procurado praticá-los desde
minha adolescência.
Em outras
palavras, ele estava dizendo: desde que assumi as rédeas da minha vida, tenho
buscado seguir cada um desses mandamentos.
O olhar
de Jesus se reveste de profunda ternura por aquele rapaz. Ele percebe a
genuinidade de seus esforços em observar os preceitos da Lei. Há nele uma certa
maturidade, apesar da juventude. Tem se esforçado por viver de modo honesto e
justo.
Mas ainda
lhe falta uma coisa — a mais importante de todas.
A próxima pergunta de Jesus trará à tona a lacuna silenciosa que atravessa todo
o projeto de vida daquele jovem entusiasta.
Jesus
sabe, desde antes, o que Sua pergunta vai provocar: desconforto, reflexão,
talvez tristeza. Mas Ele precisa fazê-la.
Precisa conduzi-lo a um ponto de pausa, onde — enfim — possa sondar com mais
profundidade o próprio coração e a alma.
Então
Jesus declara: “Falta-lhe uma coisa”, e respirando profundamente
continua “vai vende tudo o que você tem (herdado ou acumulado ao longo
dos anos) e dê todo o dinheiro arrecadado aos pobres, e você terá um
tesouro no céu. E respirando profundamente novamente completa: “Então,
venha e siga-me”.
Um
silêncio absoluto se fez sentir.
Os olhares agora se voltam para o rapaz, que está completamente atônito diante
das palavras pronunciadas por Jesus.
Ele está
pronto para muitas coisas.
Talvez ampliar os dias de jejum; aumentar suas contribuições ao Templo;
financiar a produção de cópias da Torá — que eram caríssimas; ou até mesmo
destinar uma quantia generosa para ajudar os mais carentes.
Mas o que
Jesus pede vai além.
Não se trata de fazer mais, e sim de abrir mão — de tudo.
De deixar de controlar o que possui para se tornar plenamente disponível ao
Reino.
Mas
quando Jesus disse: “Vende tudo o que tens e dá aos pobres”, todo o seu
castelo religioso desmoronou.
A estrutura que havia construído ao redor da própria vida foi demolida por
aquelas palavras... “vende tudo e dá...”.
O rapaz
não estava preparado para isso.
Ninguém jamais lhe dissera tal coisa! Soava como um absurdo. Era radical
demais, acima do que ele considerava razoável.
Todo seu entusiasmo inicial, toda a disposição que o movera até Jesus...
simplesmente desapareceram.
Foi como
se, num ringue, recebesse um gancho de direita certeiro no queixo.
Implacável, foi ao chão — completamente sem forças para reagir.
Não tinha resposta, não tinha argumento.
Só lhe
restou uma alternativa: “afastou-se triste...”.
O
evangelista Marcos explica o motivo: “pois possuía muitos bens”.
Quando
Jesus citou os mandamentos ao jovem, propositalmente deixou de mencionar o
primeiro: “Não terás outros deuses diante de mim”.
Jesus sabia que o deus daquele rapaz era a sua riqueza.
E a pergunta que se torna
necessária diante dessa narrativa é:
QUAL É O MEU DEUS?
Observação
Está
narrativa é tão relevante que três dos quatro evangelistas, contendo pequenas
variações, a inserem em suas narrativas evangélicas: Marcos
10:18,
Lucas 18:19 e Mateus 19:17.
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