segunda-feira, 14 de julho de 2025

Reflexão - Uma Pessoa que se Considerava Boa


O dia amanheceu ensolarado, o que o despertou cheio de ânimo. Verificou seu guarda-roupa e escolheu o que considerou ser a roupa mais adequada para aquele dia, que prometia ser de calor intenso.

Enquanto tomava seu café matinal, examinou a agenda de compromissos para o dia, que incluía algumas atividades importantes. Mentalmente, enquanto saboreava o desjejum, foi alinhando diversos pontos que deveriam ser abordados em seus encontros de negócios.

Apesar de ter diversas pessoas à sua disposição, sabia muito bem que algumas coisas deveriam sempre ser tratadas por ele. Lembrava-se constantemente de um ditado dito por seu velho pai: “Os olhos do dono engordam o rebanho.”
Ele mesmo conhecia histórias tristes de amigos e conhecidos que deixaram seus bens nas mãos de outrem e acabaram enganados e roubados. Trabalhou muito para conquistar tudo o que tinha e não pretendia deixar tudo se perder facilmente.
Gostava de acordar cedo e aproveitar o tempo da refeição matinal para se inteirar dos últimos acontecimentos do dia, ouvindo seus diversos serviçais, que os coletavam enquanto realizavam suas atividades cotidianas.

Foi então que tomou conhecimento de um rabino que estava em evidência nos últimos dias e que passaria pelas proximidades de onde morava. Diziam que ele atraía multidões e que suas palavras eram cheias de sabedoria.
Apesar de ainda jovem, interessava-se profundamente por assuntos religiosos. Crescera, como todo judeu, aprendendo sobre a Torá, e sabia de memória muitos trechos dela, incluindo os chamados Dez Mandamentos.
Como um bom cidadão judeu, frequentava com regularidade as reuniões na sinagoga mais próxima. Tinha afeição e admiração pelos diversos rabinos que ali passavam e explicavam os textos sagrados. Ouvia-os com avidez e com o desejo sincero de ajustar sua vida às normativas divinas. Considerava-se uma pessoa boa e cumpridora de suas obrigações religiosas, familiares e sociais.
Então, chamando um de seus serviçais, pediu que descobrisse qual caminho aquele famoso rabino utilizaria e em que momento do dia ele passaria pelas proximidades. Uma curiosidade crescente começou a ocupar sua mente.

Precisava conversar com aquele homem sábio. Quem sabe poderiam trocar experiências, afinal, ele não era um neófito no que dizia respeito à Torá e ao judaísmo.
Após algumas horas, o serviçal retornou informando que, segundo suas pesquisas, o famoso rabino estaria se aproximando entre a 9ª hora (15 horas) e a 11ª hora (17 horas).
Excelente, pensou ele. Haveria tempo para se organizar, resolver algumas questões e sair para encontrar-se com essa pessoa. Ordenou ao serviçal que ficasse atento e o avisasse quando o eminente rabino estivesse próximo.

Já era a 10ª hora do dia quando o serviçal entrou apressado e ofegante, avisando que o rabino estava se aproximando da região.
Rapidamente, ele cingiu-se de sua vestimenta pública, colocou dois de seus anéis preferidos, além de dois cordões de ouro — usados apenas em ocasiões muito especiais, especialmente em recepções de autoridades. Afinal, queria causar uma boa impressão. Então saiu, acompanhado pelo serviçal.

A uma distância razoável, percebeu a movimentação de um grupo de pessoas. Pelo ritmo, deduziu que acompanhavam a caminhada de alguém importante. O serviçal então lhe disse:
— É o rabino, acompanhado de seus discípulos e de algumas pessoas da vila que desejam vê-lo e ouvi-lo.

Aguardou mais alguns instantes e, em seguida, começou a caminhar em sua direção.

Enquanto se aproximava, não percebeu nada de especial na roupa ou na aparência daquele homem que o identificasse como um famoso rabino. Pareceu-lhe alguém comum, até mesmo extremamente humilde. Seria, de fato, esse o rabino tão comentado? Teria ele algo a aprender com essa pessoa?

Posicionou-se próximo ao grupo em movimento e, com educação e reverência, saudou o mestre. Em seguida, proferiu uma pergunta mais retórica que inquisidora:
— Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?

O som da pergunta teve o efeito imediato de interromper a caminhada. Um breve silêncio se formou.
Todos os olhares agora se voltaram ao Mestre, centro das atenções.
Como reagiria? Qual seria sua resposta?

Então Jesus olhou para aquele jovem e lhe respondeu com uma pergunta:
— Por que me chamas bom?

Em seguida, completou:
— Ninguém é bom, senão um: Deus.

O jovem inquiridor certamente não compreendeu completamente aquela resposta, mas manteve-se em silêncio.
Ainda olhando nos olhos do rapaz, Jesus perguntou:
— Você conhece os mandamentos?

Referia-se às duas Tábuas da Lei. E começou a citá-los:
— Não matarás; Não adulterarás; Não furtarás; Não darás falso testemunho; Honra teu pai e tua mãe; Amarás o teu próximo como a ti mesmo.

A resposta do jovem veio rápida, demonstrando um certo alívio:
— Sim, Mestre. Não apenas os conheço, como tenho procurado praticá-los desde minha adolescência.

Em outras palavras, ele estava dizendo: desde que assumi as rédeas da minha vida, tenho buscado seguir cada um desses mandamentos.

O olhar de Jesus se reveste de profunda ternura por aquele rapaz. Ele percebe a genuinidade de seus esforços em observar os preceitos da Lei. Há nele uma certa maturidade, apesar da juventude. Tem se esforçado por viver de modo honesto e justo.

Mas ainda lhe falta uma coisa — a mais importante de todas.
A próxima pergunta de Jesus trará à tona a lacuna silenciosa que atravessa todo o projeto de vida daquele jovem entusiasta.

Jesus sabe, desde antes, o que Sua pergunta vai provocar: desconforto, reflexão, talvez tristeza. Mas Ele precisa fazê-la.
Precisa conduzi-lo a um ponto de pausa, onde — enfim — possa sondar com mais profundidade o próprio coração e a alma.

Então Jesus declara: “Falta-lhe uma coisa”, e respirando profundamente continua “vai vende tudo o que você tem (herdado ou acumulado ao longo dos anos) e dê todo o dinheiro arrecadado aos pobres, e você terá um tesouro no céu. E respirando profundamente novamente completa: “Então, venha e siga-me”.

Um silêncio absoluto se fez sentir.
Os olhares agora se voltam para o rapaz, que está completamente atônito diante das palavras pronunciadas por Jesus.

Ele está pronto para muitas coisas.
Talvez ampliar os dias de jejum; aumentar suas contribuições ao Templo; financiar a produção de cópias da Torá — que eram caríssimas; ou até mesmo destinar uma quantia generosa para ajudar os mais carentes.

Mas o que Jesus pede vai além.
Não se trata de fazer mais, e sim de abrir mão — de tudo.
De deixar de controlar o que possui para se tornar plenamente disponível ao Reino.

Mas quando Jesus disse: “Vende tudo o que tens e dá aos pobres”, todo o seu castelo religioso desmoronou.
A estrutura que havia construído ao redor da própria vida foi demolida por aquelas palavras... “vende tudo e dá...”.

O rapaz não estava preparado para isso.
Ninguém jamais lhe dissera tal coisa! Soava como um absurdo. Era radical demais, acima do que ele considerava razoável.
Todo seu entusiasmo inicial, toda a disposição que o movera até Jesus... simplesmente desapareceram.

Foi como se, num ringue, recebesse um gancho de direita certeiro no queixo.
Implacável, foi ao chão — completamente sem forças para reagir.
Não tinha resposta, não tinha argumento.

Só lhe restou uma alternativa: “afastou-se triste...”.

O evangelista Marcos explica o motivo: “pois possuía muitos bens”.

Quando Jesus citou os mandamentos ao jovem, propositalmente deixou de mencionar o primeiro: “Não terás outros deuses diante de mim”.
Jesus sabia que o deus daquele rapaz era a sua riqueza.

E a pergunta que se torna necessária diante dessa narrativa é:
QUAL É O MEU DEUS?

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante


 

Observação

Está narrativa é tão relevante que três dos quatro evangelistas, contendo pequenas variações, a inserem em suas narrativas evangélicas: Marcos 10:18, Lucas 18:19 e Mateus 19:17.

 

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