sábado, 5 de julho de 2025

Comentário Devocional: Salmos 119.9-16 Letra Bete (בַּ)


Estamos degustando o Salmo 119. Ele contém 22 divisões que correspondem às 22 letras do alfabeto hebraico — portanto, trata-se de um salmo em forma poética acróstica.

Já vimos a primeira estrofe deste salmo (versículos 1–8), que se inicia com a primeira letra do alfabeto hebraico: Álef (א).

Neste texto, veremos a segunda estrofe (versículos 9–16), que começa com a letra Bete (בַּ). Essa segunda letra do alfabeto significa “casa” em hebraico. Assim, utilizando a linguagem poética, podemos fazer do nosso coração um lar para a Palavra de Deus.

Essa estrofe se inicia com uma pergunta retórica: Como pode o jovem — ou seja, a próxima geração — manter puro o seu caminho (ou o seu coração)?

Por que o jovem?

O livro de Provérbios nos dá a resposta: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho não se desviará dele” (Pv 22.6). Portanto, o salmista está pensando na nova geração e em como preservar suas mentes e corações das contaminações nocivas e nefastas produzidas por uma sociedade doente e depravada.

Os jovens são entusiastas, mas completamente desprovidos da experiência da vida — como exemplifica a parábola do filho pródigo. Assim, a única esperança para as novas gerações está em ensiná-las a amar a Palavra de Deus e a viver por ela, pois ela se constitui no único Caminho para a verdadeira felicidade.

O jovem Daniel e seus amigos, apesar de terem sido levados cativos para o coração da Babilônia — símbolo do que havia de mais depravado e idólatra na época —, mantiveram-se firmes em seus princípios de fé. Isso porque suas mentes e corações estavam amalgamados com a Palavra de Deus. Rejeitaram toda sorte de atrativos e pressões que lhes sobrevieram. Nem a fornalha aquecida sete vezes, nem a cova dos leões foram capazes de demovê-los de suas convicções.

Daniel e seus amigos verdadeiramente aprenderam a amar a Palavra de Deus e a guardá-la em seus corações.

Qualquer outra escolha os teria levado à infelicidade — e à morte.

Estamos contemplando os resultados de gerações que têm se afastado, cada vez mais, da Palavra de Deus, optando por andar em seus próprios caminhos. O que vemos é uma geração fútil e tola, obstinada e intratável.

O versículo 9 levanta uma pergunta retórica: “Como pode o jovem manter pura a sua conduta neste mundo atolado no lamaçal do pecado?” O próprio texto oferece a resposta: por meio da Palavra de Deus. No entanto, essa pergunta se aplica a todos nós, independentemente da idade. A única coisa que pode manter nosso caminho — nossa vida — puro e limpo é a Palavra de Deus.

Embora o termo “pureza” esteja quase completamente em desuso, seu significado permanece atual e necessário: viver com fidelidade a nós mesmos e aos princípios divinos, sem concessões. Infelizmente, poucos estão dispostos a aceitar esse desafio.

Expressões distorcidas como “o novo normal” têm levado milhares de jovens — e também adultos — a negociar seus princípios de fé, adotando como normativas de vida os nefastos valores sociais antibíblicos e anticristãos.

Enquanto os “Happy Hours” lotam os bares e multiplicam o consumo de bebidas alcoólicas, as igrejas estão se esvaziando.

verso 10 - “De todo o meu coração te busco.” Talvez o salmista tivesse lido — ou ouvido — as palavras de Jeremias (29.13): “Buscar-me-eis e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração.” Ele não desejava apenas obedecer às leis de Deus, mas ter comunhão com Ele.

Vivemos o boom do saber enjaulado — academicista, autorreferente e distante da vida real. Cursos de mestrado e doutorado se multiplicam nas esferas teológicas. Nunca se produziu tanto conhecimento bíblico-teológico como em nossos dias. O conhecimento acadêmico virou vitrine.

Mas a questão fundamental é: Quanto desse conhecimento tem contribuído para uma vida mais santa e compromissada com as verdades imutáveis da Palavra de Deus? Quanto desse saber tem sido transferido do cérebro para o coração?

Saber sobre Deus não é o mesmo que vivenciar Deus na vida cotidiana. O quanto desse conhecimento biblicista tem produzido genuíno arrependimento e transformação de caráter? Infelizmente, não se respira nos centros acadêmicos uma atmosfera de contrição, mas sim de orgulho e arrogância dos saberes.

Mas a declaração de fé do salmista vem acompanhada de uma oração fundamental:

“Ó, não me deixes desviar dos teus mandamentos.”

Em palavras simples: “Ajuda-me a obedecer a todos os teus mandamentos.”

Quando o salmista olha para si mesmo, ele reconhece o mesmo dilema descrito pelo apóstolo Paulo: “O bem que quero fazer, não faço; mas o mal que não quero, esse prático. Miserável homem que sou!” (Romanos 7.19).

O salmista tem plena consciência de que, sem a ajuda de Deus, ele não será capaz de vivenciar a Palavra nem de fazer a vontade divina. Ele entende que não conseguirá manter puro o seu coração, sua mente e suas ações por esforço próprio. Por isso, sua oração é humilde, sincera e urgente — um clamor por graça para obedecer.

Essa não pode ser uma oração-mantra, repetida mecanicamente; deve ser uma oração sincera e madura, vinda de um crente que verdadeiramente deseja viver uma vida de pureza — uma vida que agrade a Deus, e não a si mesmo ou à sociedade.

“Ajuda-me” deve ser o grito de uma alma que deseja ter uma única fonte de felicidade: Deus. Asafe, no Salmo 73, compartilha sua terrível crise existencial, na qual, por muito pouco, não se afastou por completo de Deus. Depois de duvidar de tudo e de todos, Deus, com paciência, lhe mostra o fim do caminho dos ímpios e o fim do caminho dos justos — daqueles que mantêm puro o coração. Então Asafe faz uma declaração maravilhosa: “A quem tenho eu no céu senão a ti? E na terra, nada mais desejo além de estar junto a ti” (Salmo 73.25).

E como completaria Davi: “O Senhor é o meu pastor; nada me faltará” (Salmo 23.1). Ou seja, Yahweh é o bem maior — no céu e na terra. Ele é o que temos de mais precioso na vida. E, quando Ele é tudo, nada mais é necessário para nos satisfazer.

Verso 11 – O melhor lugar para guardar a Palavra de Deus: “Escondi a tua palavra no meu coração.” O coração é o centro da vida. A prática vivencial tem demonstrado que as ações nascem no coração e movem o cérebro. Por isso, muitos dos nossos maiores erros — talvez 90% deles — têm origem no coração.

A sabedoria de Provérbios nos alerta: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida.” (Provérbios 4.23)

Jesus também confirma essa verdade ao afirmar: “A boca fala do que está cheio o coração” (Lucas 6.45). E Ele vai além, revelando a profundidade do que habita no interior humano: “Porque de dentro, do coração dos homens, procedem os maus pensamentos, os adultérios, as imoralidades sexuais, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a devassidão, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a insensatez. Todos esses males vêm de dentro e contaminam o homem.” (Marcos 7.21–23)

Por isso, o salmista declara que o melhor lugar para guardar a Palavra de Deus é o coração — não apenas a memória, não apenas os lábios, mas o centro da vida, onde decisões são geradas e valores são formados. Quando a Palavra está escondida ali, ela se torna escudo contra o pecado e guia para a santidade.

Verso 12 – Louvor: “Bendito és tu”

É uma expressão de louvor e uma declaração de reconhecimento de que todas as bênçãos vêm da parte de Deus. Nossas orações devem sempre refletir essa mesma verdade: tudo de que necessitamos — inclusive discernimento e sabedoria para tomarmos decisões e fazermos escolhas — vem da direção de Deus. Viver sem esse reconhecimento é viver loucamente, conduzido pelos ditames de nossas mentes e corações contaminados pelo pecado.

No pedido que completa a frase – “Ó Senhor, ensina-me os teus estatutos” - o salmista expressa sua insuficiência para apreender a essência do ensino bíblico. Sem a ação capacitadora do Espírito Santo somos analfabetos tentando ler seus textos, sem jamais alcançar o entendimento correto de suas verdades. O que nos leva à cena do diácono Felipe e o funcionário governamental Etíope. Percebendo que aquele homem está lendo um texto do profeta Isaías, lhe faz uma pergunta: você compreende o que está lendo? A resposta sincera do Etíope é de que não, pois não há quem lhe explique. Então convida Felipe a subir na carruagem e ouve atenciosamente a explicação e finalmente declara sua fé em Cristo e solicita que Felipe o batize.

O salmista faz o mesmo pedido em sua oração – “ensina-me os teus estatutos”. Quantas vezes lemos a Bíblia como se fosse um livro qualquer, sem discernirmos que trata-se da Palavra de Deus. Esta pequena oração sintetizada em uma pequena frase, faz toda diferença quando se trata das Escrituras. O Espírito Santo a inspirou (soprou) e somente Ele pode nos capacitar a apreendermos genuinamente seus ensinos.

A História do Cristianismo está repleto de homens e mulheres que se utilizaram (e continuam se utilizando) da Bíblia para ensinar as mais terríveis heresias e mentiras. O próprio Satanás teve a ousadia de tentar Jesus, utilizando-se das palavras registradas de Deus ... “não está escrito...”, mas Jesus o repreende utilizando-se do correto ensino bíblico. Antes de lermos a Bíblia tenhamos o cuidado de orarmos como o salmista – “ensina-me Seus estatutos”. Quando assim fizermos estaremos tendo uma postura de humildade diante de Deus, qualquer outra postura é contaminada pela arrogância e soberba da vida.

Verso 13 – o salmista canta que vai repetir as palavras da Tora, mas aqui não trata-se de uma repetição religiosa mecanizada, mas a ideia é de dar testemunho das verdades ali contidas, ou compartilhar com outras pessoas o que tem aprendido. Ele quer aprender para ensinar. Este foi o último imperativo de Jesus para os discípulos (de ontem e de hoje), “sede minhas testemunhas”, ou seja, tudo que vocês viram e ouviram, compartilhem com todas as pessoas. O conhecimento bíblico não compartilhado torna-se perigoso, pois tal pessoa torna-se arrogante e intolerante. O cristão que não testemunha torna-se uma lagoa, onde prolifera toda sorte de micróbios que adoecem e matam a alma; o cristão que testemunha, compartilha, torna-se semelhante a um rio que se renova e produz vida...em abundância.

Verso 14A Genuína Felicidade e Alegria – as Escrituras se constituem na única fonte genuína de prazer e satisfação, pois nelas usufruímos da comunhão com Deus (ouvimos o que Ele tem para falar) e não apenas usuários de Suas bênçãos. Ao nos criar à Sua imagem e semelhança Deus nos tornou únicos em toda Criação. Somos os únicos seres habilitados à conhece-Lo e dialogar com Ele. Uma das cenas mais lindas da Criação é quando Deus na viração do dia (o dia judaico inicia-se ao pôr do sol) Deus passava pelo jardim do Éden para dialogar com Adão e Eva. Infelizmente o pecado rompeu esse diálogo, mas em Cristo Jesus somos novamente habilitados a dialogarmos com Deus, agora por meio de Sua Palavra. O ser humano sem Deus é um infeliz maltrapilho vagando por este mundo árido e ressequido pelo pecado. Sem a comunhão com Deus a raça humana não passa de um “vale de ossos secos".   

Verso 15Meditar na Palavra de Deus (de dia e de noite – Salmo 1) é o segredo para mantermos nossa mente e coração sintonizados com a Vontade de Deus em todo o tempo.

Verso 16 – Conclui a segunda estrofe com uma declaração de amor e um voto.

Vou pular de alegria – explosão de alegria (torcedor de futebol). Em ter entendimento do Valor da Palavra de Deus.

Voto – Eu não me esquecerei da Tua Palavra! Mas o voto é consequência direta das ações anteriores: o pensar/meditar/estudar gera satisfação, e a satisfação ajuda a memória e a prática. Havia dito: “Meditarei em teus preceitos”; e “me alegrarei em teus estatutos”; o que produz um benefício adicional: “não esquecerei tua palavra”. A mente/memória se concentra naquilo que o coração se alegra; e o coração é onde está o tesouro (Mateus 6.21). Os ímpios não se alegram com a Palavra de Deus e por isso não se lembram dela.

Deste modo, todas as vezes que nos “esquecemos” da Palavra de Deus, nos assemelhamos aos ímpios e degenerados. Todos aqueles que não amam a Palavra, todos os seus preciosos ensinamentos entram por um ouvido e sai pelo outro – nada aproveitam.

Mas esse prazer na Palavra de Deus não deve ser uma mera especulação — assim como os hipócritas têm seus gostos e seus lampejos — mas em crer, praticar, obedecer. As Escrituras não são apenas para serem admiradas e enaltecida em suas belezas literárias e princípios universais, mas acima de tudo, para serem amadas e vivenciadas. Parafraseando o apostolo Paulo – “não sou eu quem vive, mas a Palavra de Deus vive em mim e através de mim” (Gálatas 2.20).

Questões Para Reflexão

v O quanto da bíblia você já memorizou desde sua conversão?

v Por que o salmista se dirige aos “jovens”?

v Como podemos nos afastar do pecado que nos assedia?

v O que significa buscar a Deus de “todo o coração?”

v Quem ou o que é seu bem maior?

v Por que guardar a Palavra de Deus no coração e não na mente?

v Quais as implicações na expressão “Bendito és Tu”?

v Você tem orado para que Deus te ensine a Palavra?

v Você tem ensinado a Palavra de Deus a outras pessoas?

v Neste mundo tenebroso, onde está a genuína fonte da felicidade?

v Você tem se esquecido da Palavra de Deus?

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

 

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Referências Bibliográficas

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CHOURAQUI, André. A Bíblia – Louvores II (Salmos). v. 2. Tradução de Paulo Neves. Rio de Janeiro: Imago, 1998. (Coleção Bereshit).

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